9 de maio de 2014

Um Projeto Educativo Municipal?*

No concelho de Mafra, existem 4 agrupamentos de Escolas (Venda do Pinheiro, Armando Lucena – Malveira, Ericeira e Mafra) e uma escola Secundária (José Saramago). Na sequência da alteração e reordenamento da Rede Escolar (da responsabilidade do Ministério da Educação e Ciência), o município de Mafra, dando seguimento a uma ideia que, de certa forma, estava já presente na Carta Educativa do Conselho, convidou os agrupamentos a refletir uma proposta de documento, com vista à reflexão, discussão e execução de um Projeto Educativo Municipal que potenciasse, no espaço educativo, uma comunidade educativa real e atingível.
Em termos de organização, gestão e equipamentos escolares, Mafra caracteriza-se por ser um dos concelhos da Grande Lisboa com a melhor cobertura escolar (oferta pública) para as crianças e jovens pré-universitários e distingue-se por ter potenciado um crescimento qualitativo dos resultados escolares dos seus alunos ao longo dos últimos trinta anos. Este desígnio diferenciador empolgou os parceiros educativos, e fez surgir um Projeto Educativo Municipal, aprovado (um pouco “à pressa”) antes das últimas eleições autárquicas, condicionando, por isso, decisões futuras.
Neste debate sério e necessário (que não aconteceu), a Escola deveria ter sido vista como um espaço de partilha, de co-responsabilização, de colaboração e de cooperação.
A gestão pedagógica centralizada e de índole nacional (através do Ministério da Educação e Ciência), em oposição à localização municipal, na qual a responsabilidade sobre edifícios, organização funcional de pessoal e a gestão do apoio às famílias não permitiu (por razões várias, mas, quase todas devidas a uma incompreensão dos papéis, de parte a parte) a assunção de um efetivo espaço de entendimento.
O documento aprovado enferma das dificuldades decorrentes desta incompatibilidade e, para lhes fazer frente, teria sido necessária uma reflexão ampla, participada, honesta e séria de e com todos os atores e não apenas dos seus colégios representativos (alguns departamentos municipais, conselhos consultivos dos agrupamentos e diretores escolares).
A reflexão a fazer teria de ter sido alargada ao cidadão, à empresa, ao parceiro educativo, para que o documento, com este alcance (o de servir, educacionalmente, toda uma comunidade), pudesse ser o reflexo das legítimas expectativas e anseios da população e, acima de tudo, das suas perspetivas de futuro.
O documento apresentado no final do ano passado (e disponível no sítio da Câmara Municipal de Mafra) é um rol de intenções administrativas, orgânicas e funcionais que esquece (fruto, talvez, da referida incompatibilidade) que Educação é muito mais do que gerir os recursos. Educar é promover, potenciar, fazer crescer toda uma comunidade.
E, um Projeto Educativo local que esquece as especificidades económicas, turísticas, sociais (de habitação, por exemplo) ou culturais de toda uma comunidade, como base do seu desenvolvimento, pode, apenas, ser considerado como um “projeto inicial de trabalho”.
Cabe-nos a nós, todos os mafrenses, participar e contribuir para a existência de um projeto educativo que, junto das nossas crianças e jovens, lhes mostre as potencialidades de possuir uma Reserva Mundial de Surf, uma economia local pujante, com uma indústria transformadora de carne única e uma das maiores áreas nacionais de monocultura agrícola, por exemplo.
Saber isso é, também, contribuir para a localização e distinção do processo educativo.
Não o desperdicemos.

*Artigo publicado no jornal regional "O Carrilhão" (Mafra), em 15 de abril de 2014, na rubrica "Reflectir Educação"

6 de março de 2014

A Escola De Hoje *

Com o advento de um novo modelo social, no qual as famílias (as avós, os vizinhos, etc.) deixaram de poder ser um esteio na co-responsabilidade da prestação de cuidados às crianças e jovens, em períodos de tempo complementares à frequência escolar, temos constatado um conjunto enorme de alterações nas dinâmicas das famílias.
Hoje já não é assim tão comum encontrar famílias que prescindam dos serviços extra-escolares de apoio.
Se por um lado cresceram as ofertas educativas e sociais da escola (com os espaços escolares a adaptarem-se a novas exigências e a fornecerem serviços até há bem pouco tempo impensáveis), por outro, os docentes (e demais cuidadores) assumiram novos papéis, acompanhando esta sociedade que muda e que exige que a Escola assuma uma atitude mais assistencialista do que educativa, centrada na formação e na instrução.
Podemos confundir os termos, e claro que “educação” é muita coisa. Mas, neste caso, a alegoria africana que é conhecida de muita gente, pode ajudar: “É preciso toda uma aldeia para educar uma criança”.
À escola devemos exigir, antes de mais, que instrua. Que transmita. Que exija.
Mas, na instrução cabe, antes de mais, a necessidade de criar cidadãos interessados, participativos, solidários e envolvidos.
Não é menos verdade que, se, enquanto comunidade, depositámos na Escola a arte e o engenho de oferecer muito mais serviços de apoio às famílias, isso, se refletido seriamente, obriga-nos a reconhecer a falência da instituição escolar. Por vezes, exigimos à Escola respostas que não fazem parte da sua cultura, da sua especificidade, do seu saber.
Refeições, serviços complementares de apoio às famílias, atividades complementares ou apoio especializado (psicólogos, acompanhamento nutricional, projetos de apoio social – pequenos almoços para famílias desfavorecidas, fruta escolar, etc.) não são, por natureza, atividades da Escola.
Têm vindo a ser os serviços municipais a assegurar estas respostas complementares que, contudo, se processam num espaço delimitado e predefinido, cuja responsabilidade formal, não é sua. E essa falta de responsabilidade, por vezes, leva a dificuldades operativas que urge clarificar para resolver.
Se quisermos ser honestos, não podemos responsabilizar um professor pela qualidade (ou falta dela) das refeições escolares, nem podemos responsabilizar os serviços municipais pelo insucesso escolar dos alunos.
Mas existe uma relação direta entre ambas. E saber isso implica que tenhamos uma consciência clara do papel de cada um dos lados que se movimentam neste espaço, dos seus papéis, das suas áreas de intervenção e, sobretudo, dos seus projetos.
Por isso, exigir à escola que eduque, no sentido mais lato do termo, o que define a tal “obrigação” da aldeia, não pode (nem deve!) ser feito sem que se construam as condições mínimas para tal. E essas tais condições implicam que existam espaços colaborativos, que sejam assumidos, desenvolvidos e que, necessariamente, sejam tidos em conta na hora das decisões. Não bastam “colégios eleitorais” ou “grupos de cidadãos”. A cidadania ativa é individual. Não podemos, enquanto comunidade, permitir que os atos eleitorais sejam os únicos momentos em que decidimos o nosso futuro e o das gerações que deixamos.
Participar é fundamental. De forma consciente e clara.

*publicado no jornal "O Carrilhão", 01.03.2014, na rubrica "Reflectir Educação"

12 de fevereiro de 2014

A Escola completa*


Ao longo dos últimos vinte, trinta anos, a Escola (como espaço institucional, organizativo, administrativo...) tem vindo a mudar a sua faceta de construtura de conhecimento para uma estrutura homologadora de bem estar social.
Cresceram as ofertas educativas e sociais da escola, os espaços escolares adaptaram-se  novas exigências e até os docentes assumiram novos papéis. A sociedade mudou e o aspeto da escola mudou com ela.
É até possível, atualmente, encontrar escolas onde até o jantar é servido, carinhosamente, a todos aqueles alunos que, por uma ou outra razão, não foram recolhidos pelos seus encarregados em "horário útil".
A Escola, tal como a conhecemos hoje, deixou de ser um espaço de instrução e conhecimento para se transformar num espaço de solidariedade social.
Os docentes têm, atualmente, diversas funções, que não apenas as de ensinar e promover o conhecimento. Espera-se deles que sejam assistentes sociais, psicólogos, médicos, enfermeiros e até polícias.
Os gestores escolares têm funções tão centradas na gestão e na administração empresarial que, em muitos casos, transformaram, inconscientemente, a educação em mercadoria transacionável, cujo "valor de mercado" define o sucesso ou o insucesso das práticas educativas (muitas vezes sem olhar a questões específicas, pessoais, locais e/ou sociais...).
Os cuidadores (vulgo assistentes, contínuos, técnicos...) chegam à escola, na maior parte das vezes, com pouca ou nenhuma formação específica (seja pedagógica ou apenas lúdica e didática), para responder a outras necessidades, entretanto criadas (horários alargados, serviços complementares, etc.)
Por tudo isto, a Escola tem vindo a mudar.
E, lenta e compassadamente, todos nós vamos aceitando estas mudanças sem as questionar, sem as confrontar e, muitas vezes, sem refletir nelas ou, ainda mais grave, sem perspetivar a médio ou a longo prazo as alterações globais e definitivas que provocam na vida das comunidades.
Ao integrar e aceitar como "normais" as novas funções da escola, acabamos por ser, mesmo que inconscientemente, responsáveis por alguns dos efeitos negativos perniciosos dos tempos modernos.
É corrente ouvirmos (e por vezes dizermos) que a escola é, cada vez mais, um espaço de educação e que a família deixou de o ser. Se entendermos a palavra "educação" como um conjunto de pressupostos de convívio, de responsabilidade, de respeito e de solidariedade social, essa não deveria ser a função prioritária do sistema de formação de um país ou de uma comunidade.
Nesse sentido mais lato e abrangente, compete às famílias (e à comunidade) educar. A natureza da escola é outra. A sua função primordial é formar, instruir e transmitir o conhecimento.
Podemos sempre achar que reduzir o papel da escola à sua função primária é negar a sua importância ou mesmo diminuir a sua condição. Contudo, no conceito de instrução cabe, antes de mais, a função de criar cidadãos interessados, participativos, solidários e envolvidos que sejam conhecedores do seu património (cultural, artístico e criativo) e que respeitem os valores sociais que servem de base às relações interpessoais e comunitárias.
Este é, atualmente, o desafio da escola e das comunidades: reacreditar a Escola como espaço de preparação social e de divulgação do conhecimento é, atualmente, o desafio a que temos (todos!) de responder. Pode parecer um chavão reacionário. Mas basta perceber onde chegou a "vida na escola" para percebermos que algo tem de mudar na escola e nas comunidades. 

*texto publicado no Jornal "O Carrilhão", em 01 de fevereiro de 2019, na rubrica "Refletir Educação"