12 de novembro de 2017

Leituras nas "Redes"...

"Navegando" sem rumo nem direcção nas "redes sociais", reparo que, nos últimos dias, nos "temas" da educação, estão "em alta" as sugestões, modelos, metodologias e outras modas que, no seu "princípio" unificador, falam da autonomia, da responsabilização e da cidadania activa das crianças.
Desde as práticas de Ioga, de Mindfulness, de consciência ativa (que apesar de ser "abordado" de forma diferente, refere-se ao mesmo princípio) ou mesmo das questões neurológicas e neurocognitivas como fundamentos gerais para a "mudança de práticas" até à "formação especifica de cidadãos conscientes do espaço natural" (isto, talvez, devido ao fenômeno causado pela impotência das comunidades face aos eventos que as assolaram), há um pouco de tudo.
Na maior parte das reflexões (e posteriores comentários), também é notório que há, cada vez mais, adeptos do "fazer assim", e, de repente, na perspetiva enviesada que a consulta às redes sociais nos dá, parece que "toda a gente" é altamente versada nas ditas inovações.
E mais, que "toda a gente" já "faz assim".
Quando aprofundo um pouco mais a bibliografia e a "ciência" por detrás de muitas destes novos métodos e procedimentos que tendem a "ajudar" profissionais e famílias na alteração das evidências (quiçá negativas) nas sociedades de hoje, dou por mim a constatar que, em muitas destas "novas modas", as experiências da/na educação de infância poderiam (deveriam!) ser muito mais ilustrativas do que, na realidade, têm sido.
Não obstante ser possível observar (num ainda grande grupo de práticas de educação de infância) muita incoerência metodológica ("escrevemos" que somos pela autonomia da descoberta, mas organizamos comboios e filas para ir da sala ao refeitório, somos pela "individualidade" mas vestimos batas iguais e chapéus da mesma cor, dizemos que "cada criança é uma", mas reproduzimos vinte e cinco bonecos de neve que afixamos na parede indiscriminadamente....), acredito que é neste nível de ensino (e etário) que, de facto, se constrói uma comunidade forte, responsável e civicamente activa.
E, mais ainda, acredito que é a partir da educação de infância que se deve construir o "sistema educativo" (e não o contrário), pelo que talvez seja o tempo de todos os profissionais começarem a mostrar que educamos para o "respeito pela natureza" quando subimos as árvores, que "educamos para a Paz" quando ensinamos a gerir conflitos, que ensinamos o "respeito pela outro" quando incluímos, na nossa prática, a diferença e a heterogeneidade.
Plantemos árvores. Mas mostremos que, sem rega e sem cuidados, jamais vingarão.

Sortes...

Tive a sorte (ou a disponibilidade!) de ter frequentado a minha formação de nível superior, e, consequentemente, concluir a minha habilitação para a docência, um par de anos antes da publicação das Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (OCEPE) em 1997.
Ao referir a "sorte", faço-o, sobretudo, porque essa proximidade permitiu-me que, durante a formação, tivesse a possibilidade de conhecer, debater, analisar e, até, questionar e sugerir sobre a base (científica, pedagógica, educativa....) que lhes deu origem.
Essa "sorte" favoreceu, sobretudo, dois factores: "construiu-me" enquanto profissional e potenciou um espírito crítico constante sobre a forma, como, por vezes, "olhei" para a sua aplicabilidade.
Ao longo dos últimos vinte e poucos anos, em escolas públicas, privadas ou cooperativas, foram muitas (imensas, diria eu!) as vezes em que me foi necessário apoiar as minhas escolhas e decisões pedagógicas, as minhas práticas e até as minhas convicções educativas no texto base legal que fornlece o compromisso educativo de todos os profissionais de educação de infância.
Mas, infelizmente, foram também muitas (a maioria, diria eu!) as vezes em que, nos "confrontos" reflexivos, didácticos, pedagógicos e educativos com outros profissionais (colegas, chefias, pares...), se tornou evidente um substancial desconhecimento dos fundamentos, bases legais e até processos que a Lei (OCEPE) define e contempla.
E, também por isso, ao longo dos últimos anos foram muitas as vezes em que me insurgi contra práticas que, não apenas não constam como "indicadas" como até são, nos seus princípios, "contra" a letra e o espírito das OCEPE.
Em todas elas, senti-me em discussões estéreis. Sobretudo, porque senti sempre que as discussões e reflexões não tinham, nos opositores, na mesma base de conhecimento e implicação. A mesma leitura e análise crítica.
Às vezes, nem sequer a leitura teriam...
"Manuais", "grelhas" (de observação, de avaliação, de "acompanhamento"), "critérios", "indicadores", "metodologias específicas", "indicações lectivas" ou outros chavões do eduquês foram entrando no mundo da educação de infância pela janela (ou porta!) que nós, os profissionais de educação de infância, fomos abrindo.
Admito que, às vezes, as referências a "decisões superiores, emanadas do Ministério da Educação" (que raramente eram reais), assustavam e desmotivavam. Mas, bastaria um olhar atento para perceber as falácias que fomos permitindo (e, de certa forma, apoiando: ora por acção, ora por omissão...)
Ao longo dos últimos vinte e poucos anos, fomos deixando que se enviesassem as bases e fundamentos educativos definidos para este nosso nível de ensino. Ao longo dos últimos vinte e poucos anos não nos interessou ler, refletir, conhecer, debater e, sobretudo, fazer nossas as Orientações Curriculares que, antes de mais, nos deveriam servir como esteio e defesa intransigente.
E isso, de certa forma, adiou, no nosso país, a assunção efectiva de que a educação de infância é “a primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida".
Agora, e faz exactamente um ano após o seu lançamento, temos uma edição revista, actualizada e aumentada que, nas palavras do Sr. Secretário de Estado João Costa: "resulta de um trabalho de avaliação das necessidades de revisitar este documento, atualizando-o, beneficiando de cerca de duas décadas de aplicação e da auscultação de muitas instituições e indivíduos".
Passado um ano, ainda contínuo, mesmo que residualmente, a ter de me confrontar na defesa de práticas, processos e lógicas em locais onde já não o deveria ter de fazer.
A pergunta que me faço, neste momento, é: será que, de entre tantos de nós que nunca leram a edição original (e por isso persistiram em tanto equívocos), se manterá um certo alheamento? Será que vamos manter esta nossa forma muito "suí generis" de persistirmos no engano?
Será que vamos, mesmo, ler e engrandecer-nos pelo debate, reflexão, discussão e partilha?...
Quero tanto acreditar que sim.

19 de março de 2017

Ainda a municipalização

Escrevi antes, há uns dias, sobre o que, realmente, me assusta na tão propalada "Municipalização da Educação",
Volto agora ao tema.
De facto, o que muito se tem falado (nomeadamente em blogues e outros locais "obscuros" - porque na comunicação social portuguesa, convenientemente, não se promovem debates sérios - ), versa muito sobre pessoas e ideias e pouco sobre factos e dinâmicas.
E é nesse particular (Factos) que residem alguns dos meus principais receios.
Estou, desde há já algum tempo, a desenvolver a minha atividade profissional num mesmo concelho. Nesta zona geográfica, percorri quase todos os agrupamentos que aqui estão sedeados.
Observei (e vivi), por isso, as dinâmicas e os contextos que definem aquilo a que se, vulgarmente, se chama, a referenciação geográfica da educação.
E, se na lei não estão (ainda), disponíveis os traços gerais da forma de fazer, neste concelho já assisti a aprovações apressadas (diria eu, ilegais), de Projetos Educativos Municipais por Conselhos Gerais de Agrupamentos (supostamente autónomos) devidamente "construídos" para o efeito.
Já vivi nomeações de Diretores dos Agrupamentos pelos serviços municipais e até já vi docentes Conselheiros Municipais de Educação ao serviço de interesses autárquicos...
No fundo, já vi de tudo um pouco.
Mas vi muito mais do que isso.
Vi ingerência (de facto) na vida das escolas, na orientação letiva e pedagógica e até na definição de espaços e organização espacial das salas de aula. Também já vi penalizações a docentes por parte dos serviços municipais e, no topo das minhas "visões", até vi técnicos administrativos municipais a substituir docentes.
Mas em nada disto eu vi os "políticos".
Não temo, da parte dos políticos, muito mais do que têm feito.
Porque, de forma razoável, a maior parte deles está orientado numa ideia política e social para o "seu" quintal, convencendo-se, em ciclos temporais, de que o melhor é aquilo em que acredita. Mas, tal como ao longo dos últimos anos têm mudado ministros e políticas de educação, também com estas mudanças os docentes se entendem.
Não se entendem, contudo, com outro tipo de ideias e políticas menos mutáveis: aquelas que são alicerçadas num espírito corporativista e administrativo de uma determinada administração da coisa pública.
Com essas, de facto, os docentes não se entendem.
Dois exemplo na primeira pessoa: há uns anos, numa escola de um concelho limítrofe de Lisboa, em tempos de preparação das atividades pedagógicas e letivas a desenvolver durante esse ano letivo, surgiu a ideia de, no espaço escolar, plantar árvores por ocasião do Dia da Árvore. Esta proposta, de reunião de estabelecimento, aprovada por todos (representantes de encarregados de educação, inclusive), não passou no crivo do departamento municipal "responsável" pelos espaços escolares. "Porque as árvores são um perigo", "porque é incompatível com o modelo arquitetónico", blá, blá, blá, blá...
Não avançou.
Anos depois, numa outra escola do mesmo concelho, repetindo-se a proposta, nas mesmas condições, alertei para a resposta anterior. Independentemente do aviso, resolvemos, como escola com autonomia de pensamento e ação, contrariar a resposta antes dada e foram plantadas 28 árvores de fruto no espaço escolar.
Apesar do "torcer de nariz" dos responsáveis técnicos (que antes tinham respondido negativamente), ao visitar o espaço, agora com árvores em plena floração, o responsável político máximo no município elogiou grandemente o projeto e fez questão de o generalizar a outras escolas do concelho, assumindo o "enorme interesse pedagógico, social e cultural da ação".
Outro exemplo: Tendo chegado a uma escola recentemente inaugurada, foram notórias algumas más (ou desadequadas) escolhas em termos de organização de equipamento e materiais. O exemplo do televisor posto num espaço completamente desadequado (refeitório), motivou o pedido de troca para uma zona da escola onde teria maior e melhor uso. Passados seis meses de falta de resposta ao pedido formal de alteração, resolvemos contrariar as respostas oficiosas mudando de local o equipamento para uma zona onde passou a ter um uso mais consistente e, em última análise, mais adequado aos próprios serviços que são desenvolvidos na escola pelo município (Atividades de Apoio às Famílias).
Da troca de acusações entre escola e técnicos municipais, resultou um conjunto de penalizações definidas pelos técnicos municipais, na maior parte bastante inibidoras da oferta educativa da escola, nomeadamente em termos da resposta socioeducativa (que deveria ser da responsabilidade do município)..
Novamente, após visita do responsável político às instalações da escola, e tendo-lhe sido explicado o efeito desta (e outras mudanças), foi generalizada, nas demais escolas do concelho, a mesma opção de colocação dos televisores em espaços úteis...
E, a acrescer a estes dois, haverá um sem fim de outros exemplos, que vão das redes informáticas às reparações de equipamentos e materiais...
Resta apenas a acrescentar que, por estas situações, a(s) escola(s) envolvidas neste(s) confrontos são, hoje em dia, de certa forma "abandonadas" pelos mesmos serviços técnicos municipais (em cujos serviços se mantêm as mesmas pessoas!), que fazem questão de as combater e denegrir à mínima oportunidade (em vez de analisar os benefícios educativos, letivos, pedagógicos e sociais que advêm das opções localmente encontradas...).
Posto isto, vamos então refletir "Que municipalização?"...

Ainda a municipalização...

Escrevi antes, há uns dias, sobre o que, realmente, me assusta na tão propalada "Municipalização da Educação",
Volto agora ao tema.
De facto, o que muito se tem falado (nomeadamente em blogues e outros locais "obscuros" - porque na comunicação social portuguesa, convenientemente, não se promovem debates sérios - ), versa muito sobre pessoas e ideias e pouco sobre factos e dinâmicas.
E é nesse particular (Factos) que residem alguns dos meus principais receios.
Estou, desde há já algum tempo, a desenvolver a minha atividade profissional num mesmo concelho. Nesta zona geográfica, percorri quase todos os agrupamentos que aqui estão sedeados.
Observei (e vivi), por isso, as dinâmicas e os contextos que definem aquilo a que se, vulgarmente, se chama, a referenciação geográfica da educação.
E, se na lei não estão (ainda), disponíveis os traços gerais da forma de fazer, neste concelho já assisti a aprovações apressadas (diria eu, ilegais), de Projetos Educativos Municipais por Conselhos Gerais de Agrupamentos (supostamente autónomos) devidamente "construídos" para o efeito.
Já vivi nomeações de Diretores dos Agrupamentos pelos serviços municipais e até já vi docentes Conselheiros Municipais de Educação ao serviço de interesses autárquicos...
No fundo, já vi de tudo um pouco.
Mas vi muito mais do que isso.
Vi ingerência (de facto) na vida das escolas, na orientação letiva e pedagógica e até na definição de espaços e organização espacial das salas de aula. Também já vi penalizações a docentes por parte dos serviços municipais e, no topo das minhas "visões", até vi técnicos administrativos municipais a substituir docentes.
Mas em nada disto eu vi os "políticos".
Não temo, da parte dos políticos, muito mais do que têm feito.
Porque, de forma razoável, a maior parte deles está orientado numa ideia política e social para o "seu" quintal, convencendo-se, em ciclos temporais, de que o melhor é aquilo em que acredita. Mas, tal como ao longo dos últimos anos têm mudado ministros e políticas de educação, também com estas mudanças os docentes se entendem.
Não se entendem, contudo, com outro tipo de ideias e políticas menos mutáveis: aquelas que são alicerçadas num espírito corporativista e administrativo de uma determinada administração da coisa pública.
Com essas, de facto, os docentes não se entendem.
Dois exemplo na primeira pessoa: há uns anos, numa escola de um concelho limítrofe de Lisboa, em tempos de preparação das atividades pedagógicas e letivas a desenvolver durante esse ano letivo, surgiu a ideia de, no espaço escolar, plantar árvores por ocasião do Dia da Árvore. Esta proposta, de reunião de estabelecimento, aprovada por todos (representantes de encarregados de educação, inclusive), não passou no crivo do departamento municipal "responsável" pelos espaços escolares. "Porque as árvores são um perigo", "porque é incompatível com o modelo arquitetónico", blá, blá, blá, blá...
Não avançou.
Anos depois, numa outra escola do mesmo concelho, repetindo-se a proposta, nas mesmas condições, alertei para a resposta anterior. Independentemente do aviso, resolvemos, como escola com autonomia de pensamento e ação, contrariar a resposta antes dada e foram plantadas 28 árvores de fruto no espaço escolar.
Apesar do "torcer de nariz" dos responsáveis técnicos (que antes tinham respondido negativamente), ao visitar o espaço, agora com árvores em plena floração, o responsável político máximo no município elogiou grandemente o projeto e fez questão de o generalizar a outras escola do concelho, assumindo o "enorme interesse pedagógico, social e cultural da ação".
Outro exemplo: Tendo chegado a uma escola recentemente inaugurada, foram notórias algumas más (ou desadequadas) escolhas em termos de organização de equipamento e materiais. O exemplo do televisor posto num espaço completamente desadequado (refeitório), motivou o pedido de troca para uma zona da escola onde teria maior e melhor uso. Passados seis meses de falta de resposta ao pedido formal de alteração, resolvemos contrariar as respostas oficiosas mudando, de local o equipamento, para uma zona onde passou a ter um uso mais consistente e, em última análise, mais adequado aos próprios serviços que são desenvolvidos na escola pelo município (Atividades de Apoio às Famílias).
Da troca de acusações entre escola e técnicos municipais, resultou um conjunto de penalizações definidas pelos técnicos municipais.
Novamente, após visita do responsável político às instalações da escola, e tendo-lhe sido explicado o efeito desta (e outras mudanças), foi generalizada, nas demais escolas do concelho, a mesma mudança...
E, a acrescer a estes dois, haverá um sem fim de outros exemplos.
Resta apenas a acrescentar que, por estas situações, a(s) escola(s) envolvidas neste(s) confrontos são, hoje em dia, escolas, de certa forma "abandonadas" pelos mesmos serviços técnicos municipais (em cujos serviços se mantêm as mesmas pessoas!), que fazem questão de as combater e denegrir à mínima oportunidade (em vez de analisar os benefícios educativos, letivos, pedagógicos e sociais que advêm das opções localmente encontradas...).
Posto isto, vamos então refletir "Que municipalização?"...


10 de março de 2017

Na municipalização da Educação, não são os políticos que mais me assustam...

...na realidade, são os técnicos!
De facto, muito se tem falado (ou talvez não!), sobre os eternos processos "sempre em curso" de entrega da educação aos municípios portugueses.
E, na sequência dessas conversas (ou pelo menos tentativas de...), são, normalmente, as questões associadas à gestão política e/ou financeira que assumem o centro da discussão. Logo, está sempre, ou quase sempre, na ótica da análise discursiva, a questão política.
Mas, no nosso sistema democrático, os políticos (ou melhor, os eleitos), são alvo de constante e contínua avaliação política. E, também nesse sistema representativo, apesar de poderem ser eleitos através de dinâmicas que não se reconheçam na legitimidade democrática ou possam ser provocados por alguma inconsciência ou ignorância dos representados, o que é facto é que apenas subsistem a "ciclos" políticos, normalmente de curta duração. Além de que serão, eles próprios, avaliados pelas suas responsabilidades políticas.
Também se versa, na reflexão sobre as questões da entrega da educação aos municípios, sobre as questões curriculares, programáticas, didácticas ou socioeducativas. Mas, nesse caso, desculpar-me-ão, tenho os docentes em grande conta e duvido, sinceramente, que alguma vez deixarão de chamar a si as lógicas escolares fundamentais.
Contudo, preocupam-me os técnicos municipais. Nomeadamente aqueles que, desde há anos se mantêm dentro do sistema organizativo municipal e que, em muitas casos sem habilitações (ou conhecimento específico) nas áreas da educação.
São esses que, grosso modo, "gerem" a educação a partir dos municípios. Muitas das vezes até com delegação de competências total ou, em última análise, actuando sem conhecimento concreto e factual dos seus superiores e responsáveis políticos.
Em muitos municípios portugueses, a origem e organização educativa (naquilo que as competências delegadas permitem) dos departamentos e serviços camarários são pouco políticas e muito "técnicas".
Fazendo uma pesquisa rápida sobre "quem é quem" nas autarquias (http://www.portalautarquico.pt), ficamos a saber que a percentagem de técnicos municipais com formação específica (por formação, prática, etc.) ligados à educação é minoritário.
Destes, poucos são os que têm experiência letiva, didática ou pedagógica (inferência minha!).
Assim sendo, o que me assusta muito é a possibilidade de, dentro em breve, serem estes técnicos a definir que modelo educativo se definirá para o país.
E mais me assusta sentir que serão eles (habituados que estão, nas suas opções e constrangimentos legais), a mandatar e a gerir a escola pública.
Tenho muitos exemplos concretos de situações e narrativas que confirmam os meus receios.
Mas a eles voltarei em breve.

8 de fevereiro de 2017

Na realidade, não raciocinamos!

O aluno do mestre ignorante aprende o que o mestre não sabe, já que o mestre fala para ele procurar alguma coisa e recontar tudo o que descobriu no caminho
Jacques Rancière

Interrogo-me, bastantes vezes, sobre a razão pela qual os professores, em geral, têm uma tão grande dificuldade em mudar práticas, especialmente, aquelas que se auto-demonstram como desadequadas, inconvenientes ou inúteis.
Muito se tem escrito (e garanto-vos que muito tenho lido!), e, na maior parte das vezes, a(s) razão(ões) apontadas versam as mudanças a montante ou a jusante do professor.
Ou é pelas famílias que mudaram, ou é pela comunidade que mudou. Ou é porque as tecnologias e técnicas são inovadoras, ou é porque os alunos são outros. Ou os espaços escolares se reconverteram, ou então porque a Escola já não é “a” escola.
Muitas (talvez demasiadas!) são as razões que inúmeros estudos tentam evidenciar, perceber, refletir ou, tão só, assinalar.
São ainda mais, acredito, as razões com que nos justificamos.
Mas poucos (eu quase seria incómodo se dissesse: nenhum!) de nós leu algum estudo, alguma vez, que faça residir na capacidade intelectual, moral, social ou cognitiva do professor a causa e a consequência desta enorme incapacidade de mudança.
Mas é mesmo, no professor, que se encontra tal desiderato. E perdoem-me se possa parecer demasiado cruel e rude, mas não esqueçam que também eu me incluo no lote…
Não é pela sua incapacidade própria, por estupidez, por burrice, por ignorância ou por qualquer um dos outros adjetivos que, constantemente são usados para definir, pelos “outros”, os professores.
Na realidade a culpa de não raciocinar não é nossa.
Deixamos de raciocinar quando assumimos a função (para nós meritória, distintiva e pragmática) de ensinar. Mas não temos consciência plena disso.
Passo a explicar…
A função docente, baseada na perene ideia de que o Professor é a pessoa que ensina (ciência, arte, técnica ou outros conhecimentos), basta-se na justificação de que exercer este ofício/missão revela um forte empenhamento com as causas sociais e, sobretudo, com o papel de “mudar o mundo”. Para o exercício dessa profissão, requer-se qualificações académicas e pedagógicas, formação aturada e competência técnica para que se consiga transmitir/ensinar a matéria de estudo da melhor forma possível ao aluno.
Ora, é nesta imagem de docente/professor (o de transmissor) que reside a resposta, mais do que evidente, sobre as causas de imutabilidade do desempenho docente.
O professor apreendeu (ou foi ensinado) a transmitir conhecimentos.
Transmitir, na ótica da construção da função docente, significa, assim, ser um mero repositor de ideias, factos e processos sem que deles deva duvidar, questionar ou variar.
Nesse sentido, ao longo de muitos anos, o professor limitou-se a aplicar um determinado modelo de ensino/aprendizagem (crendo, claro, que esse processo de transmissão, de tão óbvio e de tão bons resultados numa perspetiva global e holística, jamais deixaria de resultar) e sobre o qual desenvolveu esquemas ou modelos de avaliação de resultados, plasmados, claro, nas dinâmicas de avaliação dos alunos, normalmente suportados por métodos e metodologias que aferem a forma como o conhecimento transmitido é aceite e processado pelos alunos.
Este modelo de transmissão preocupa-se em demasia com métodos e técnicas num verdadeiro “endeusamento” dessas lógicas de fazer, como se a educação pudesse melhorar a partir da metodologia de ensino (sem minimizar a importância das metodologias).
Contudo, bastas vezes nos esquecemos de procurar a base conceptual que sustente e estruture metodologias, duvidando, refletindo, equacionando e raciocinando sobre elas.
Qualquer método ou técnica encontra os seus fundamentos numa psicologia educacional, o que, por sua vez, encontra seus fundamentos numa filosofia da educação. O culto indiscriminado da técnica impede a reflexão sobre o processo filosófico da educação, mas também a análise crítica do nosso desempenho e, obviamente, a capacidade de raciocinar sobre o nosso papel num mundo em mudança.
Desta forma se torna evidente que os professores têm alguma dificuldade em entender que, analisando dialeticamente, não há conhecimento absoluto, pois tudo está em constante transformação.
As sociedades contemporâneas especializaram-se em “encher as cabeças” com toneladas de informações empilhadas, e, ao mesmo tempo, carentes de princípios de seleção, análise e organização que lhes dêem sentido. O modelo de educação reduzido à instrução, centrado na transmissão de conteúdos, fragmentados e descontextualizados, e que entende o conhecimento como o acumular de informações, é cada vez menos compatível com complexidade observada a jusante da Escola.
As informações apenas se convertem em conhecimento se os estudantes forem estimulados a pensá-las, liga-las e contextualizá-las, encontrando pontos de aproximação e distanciamento para articular a diversidade dos dados. Logo, conhecimento é, nesse sentido, a informação tratada, significada por operações de pensamento.
Mas, é exatamente aqui que nós, docentes, revelamos a nossa maior fragilidade: não estamos treinados para, também nós, proceder assim.
E, desde logo, porque, por alguma razão, ignoramos o momento em que vivemos, porque nos sentimos alheios ao conflito que nos cerca. De igual forma, não nos é natural ler, refletir ou discutir.
O conhecimento é ativo e em construção e, a todos nós, cabe-nos o papel não só de transmitir o conhecimento mas, sobretudo, detê-lo, atualizado, informado, confrontado, discutido, refletido,
Porque, sublinhando António Machado Ruís (como Juan de Mairena), “A finalidade de nossa escola é (deveria ser) ensinar a repensar o pensamento, a ‘des-saber’ o sabido e a duvidar de sua própria dúvida; esta é a única maneira de começar a acreditar em alguma coisa”
Podemos acreditar?

22 de janeiro de 2017

Avaliamos...


...mas, para que Escola?

Após a publicação das OCEPE, parece que o fundamental da discussão entre profissionais de educação de infância tem sido a Avaliação em Educação de Infância.
Como fazer, porque fazer, para quê fazer?...
Nesta(s), como em outras reflexões, parece-me sempre pertinente ir um bocadinho mais fundo. É importante percebermos para que Escola discutimos "avaliação".
Tendemos a ser incoerentes sem sequer perceber que o somos.
Com o advento das redes sociais, e com a nossa cada vez maior "dedicação" ao que se passa on-line, tendemos a usá-las como um prolongamento do que somos, evidenciamos as nossas crenças, "falamos" com as palavras dos outros.
O Ken Robinson, o Eduardo Sá, as escolas transformistas, as escolas ecológicas ou muitos outros "movimentos" alternativos são, em grande parte, o nosso "guilty pleasure" que partilhamos à exaustão, sobre os quais discursamos e que, na maior parte das vezes, elegemos como bandeira ou crença pedagógica.
Nesses "movimentos" e opiniões, a escola da criatividade, do prazer, da participação, da alegria, do individuo, é,  em larga medida, o foco central.
É a escola alternativa, a que não é uma "fábrica de alunos" ou um local de obrigação.
Mas, depois...
...Avaliamos a escola que contestamos.
Avaliamos as aprendizagens à luz dos pressupostos académicos que imaginamos corretos. Avaliamos a participação e a intervenção com base nas nossas crenças e nas "orientações" formais (não as legais. Essas são outras!).
Avaliamos com base no que "sempre se fez", no que nos dizem que devemos avaliar para que exista uma "transição" pacífica...
Se tentássemos "desconstruir" algumas das nossas incongruências, sentir-nos-iamos muito mal.
Enquanto profissionais de educação de infância temos um conjunto de informações pertinentes sobre os processos de formação e desenvolvimento pessoal e social da criança.
Sabemos, por exemplo, a montante do espaço académico, que é até aos 5, 6 anos que a criança adquire um conjunto essencial de competências pessoais que lhes serão úteis durante toda a vida.
Sabemos, por exemplo, que nestas idades o sono, a auto-higiene ou a consciência de si (bons hábitos de...) são cruciais.
Sabemos, por exemplo, que a nutrição seguida nestas idades define o tipo alimentar do indivíduo.
Sabemos também que a maior parte das convenções sociais se adquirem neste "momento".
Sabemos que as inteligências são múltiplas...
Sabemos isso tudo.
Mas...
O que nos interessa é avaliar os modelos de ensino/aprendizagem que pressupõem a aquisição de conhecimentos técnicos e académicos.
O que nos interessa é propor modelos/sistemas de avaliação que favoreçam a nossa própria acuidade profissional e não o "desenvolvimento" e "aprendizagem" das crianças.
O que nos interessa é que não "nos culpem" quando as crianças cheguem "à escola".
O que nos interessa, realmente, é fingir que tudo está bem.
E, assim sendo, elaboramos um conjunto de indicadores que satisfaçam a vontade do "outro".
Do pai que "acha", do colega que "precisa", da instituição que "exige".
A avaliação, qualquer avaliação, deve (tem de!) estar imbrincada com os objetivos a que nos propomos.
Sem assim ser, não fará qualquer sentido. É desconexa, pouco significativa e até mesmo inglória.
De que nos serve "defender" uma escola do prazer, da curiosidade, do respeito e da criatividade quando, de facto, nos escudamos nas grelhas comportamentais e desenvolvimentais, nos critérios classificativos e organizativos ou nas metas e objetivos escolares esperados?
E porque tendemos a, mesmo desvalorizando, organizar tão somente o conjunto de indicadores académicos e formais como base da nossa ação docente?
Sejamos coerentes.
A nossa melhor avaliação advém dos índices de satisfação (os nossos e os dos outros) tendo por base as nossas crenças e devires pedagógicos.
A Escola em que acreditamos é aquela que buscamos. E isso deve refletir-se nos processos avaliativos.
Se eu não acredito na função académica da escola  (porque desejo uma escola ecológica e social, por exemplo), então tenho de construir um modelo no qual a avaliação incida sobre os pressupostos teóricos dessa escola que procuro.
De que me serve avaliar sobre as competências técnicas e formais em crianças de tenra idade, ou sobre competências académicas, ou capacidades e habilidades motoras especificas se aquilo em que acredito é que a frequência de uma Educação de Infância de qualidade é promotora de estruturas "para a vida"?
E, sendo assim, porque não avalio as incidências não académicas?
A criança revela dificuldades no domínio alimentar? Dos hábitos de sono? Da consciência ecológica? 
Avaliar pressupõe, de facto, a existência de instrumentos adequados e específicos.
Mas mais do que "avaliar", é fudamental que se avalie com base nos pressupostos de origem.
E, se "queremos" outra Escola, é tempo de começar a construir indicadores e modelos de avaliação que lhe sejam correspondentes.
Ou corremos o risco de continuar a "fazer de conta".