4 de fevereiro de 2007

A “desinformação” das tecnologias

Nos últimos três séculos a técnica foi entendida como o domínio da concepção, da invenção e do desenvolvimento de utensílios e de instrumentos destinados à manipulação e à observação da natureza. O processo de industrialização fez com que a nossa experiência do mundo passasse a depender da invenção de máquinas, que, em muitos casos, substituem o homem na realização de tarefas produtivas. O computador é uma dessas máquinas e é talvez aquela que melhor impõe uma nova abordagem ao conhecimento.
Os diferentes sectores das nossas sociedades têm adoptado as diversas máquinas, e especialmente o computador, mas há diferenças evidentes na sua relação com elas: as crianças vêem o computador com curiosidade e naturalidade, ou mesmo com entusiasmo e prazer; os adultos, em especial os que por qualquer razão não utilizam estas máquinas de forma específica, com cepticismo, receio e alguma desconfiança.
As crianças e os jovens têm uma maior e mais natural tendência a adaptar-se a novas situações e assim desenvolver novos conhecimentos, ao assimilar a nova informação. Os adultos tendem a passar por algumas etapas importantes na sua aprendizagem, e por tal ficam desiludidos quando compreendem que o investimento de tempo e de trabalho não é compatível com a sua vontade ou disponibilidade.
Os primeiros contactos das crianças com os computadores são, regra geral, através dos jogos electrónicos e das máquinas computadorizadas. Muitas das vezes, crianças com 3 e 4 anos já dominam, com graus de especialização impressionante, as actividades e os ambientes propostos pelos jogos. Os jogos apresentam contextos, cores e aspectos agradáveis e envolventes, que criam ou ajudam a criar relações de intimidade com a máquina e despertam a curiosidade de compreender o funcionamento para detrás do visível. O conhecimento adquire-se através da acção material sobre esse mesmo conhecimento e na sua relação com ele.
Na escola, o conhecimento só existe se for realizado pelo aluno, que por sua vez deve ser intelectual e materialmente activo à escala dos seus meios.
As crianças e os jovens devem dispor de tempo quase ilimitado para experimentarem o computador, e dessa forma, explorar o seu funcionamento. Mas porque o computador apresenta novas dimensões que podem ser exploradas, é fundamental que a escola e a família contribuam no sentido de não desumanizar nem destruir as pessoas que com ele contactam.
Por mais completos que sejam, os computadores e demais instrumentos ainda não possuem as características essenciais da natureza humana: a sensibilidade, a criatividade, a subtileza, a capacidade de abstracção ou a sabedoria.
O computador necessita sempre um ser humano no princípio e no fim da sua acção. O valor de um computador é a sua capacidade de responder mais rapidamente, com maior flexibilidade e também porque são infinitamente pacientes, repetindo as mesmas acções o número de vezes que lhes ordenarmos. Mas presença do computador tornou evidente que podemos dispor de muita informação que não conseguimos processar convenientemente.
Até há pouco tempo, os conceitos de informação e conhecimento surgiam confundidos. A informação existe em grande quantidade. O conhecimento é a nossa capacidade de usar essa informação de forma lógica e racional. Mais importante do que memorizar factos e comportamentos, é saber usá-los quando necessário.
Desta forma, coloca-se à Escola e às famílias um importante desafio: o de tornar comuns e operacionalizáveis as capacidades de localizar e usar a informação pertinente, criticar e avaliar os resultados.
O conhecimento escolar deixou de se processar predominantemente através do professor na sala de aula. O desenvolvimento das novas tecnologias não diminui em nada o papel dos adultos, antes o modifica profundamente: deixam de ser os transmissores do saber, tornando-se elementos do conjunto, organizando o saber colectivo.
Tendo em atenção este novo paradigma de educação, é mais importante a capacidade do aluno pensar e expressar claramente as suas ideias, solucionar problemas e tomar decisões em vez de memorizar factos ou repetir respostas certas.
O adulto deve ser, acima de tudo, um guia do aluno, um conselheiro, um parceiro na procura de informação e da verdade, aumentando a participação activa do aluno através de abordagens mais individualizadas e mais cuidadas, de forma a que a motivação do aluno seja um fenómeno intrínseco e não algo que vem de fora.
Os computadores preconizam um novo paradigma de educação que só é eficaz com uma participação reflectida da Escola e das famílias. Tem de ser esse o nosso objectivo.

Brincar é divertido

“Quem chamou BRINCAR ao viver do miúdo foi o adulto. O miúdo, de tão demasiado ocupado a viver, nunca de tal palavra se lembraria”

Na Antiguidade Grega, “escola” queria dizer loisir, tempo suficiente para se fazer o que é agradável e “professor” queria dizer mestre de jogo.
Se olharmos agora para a sociedade em que vivemos, sentimos como urgente e necessário que ela “aprenda a jogar” antes de querer aplicar e “impor” as suas perspectivas e intenções sobre a função do jogo.
A braços com o falso problema do insucesso escolar, a instituição escolar e as famílias não têm sabido estudar profundamente a natureza lúdica das crianças – o brincar.
A educação, dita formal, tem sido concebida segundo o modelo produtivo do adulto, interpretando os miúdos não segundo a natureza destes mas procurando torná-los “animais sábios”. Por outro lado, deparamo-nos actualmente com diferentes condicionalismos, sociais e laborais, que têm reduzido, em tempo e em espaço, a conviviabilidade entre os elementos da família.
A actividade lúdica (brincar) e a situação de jogo, levadas a cabo pela criança constituem forças inesgotáveis nos mais diferentes domínios: No domínio da interacção mãe/filho facilita e satisfaz as necessidades dos contactos, dos afectos, dos sorrisos, dos reforços positivos; No domínio cognitivo ajuda a criança a desenvolver as capacidades de abstracção, simbolização, imaginação e criatividade, assim como possibilita o exercício da concentração e memorização; No domínio da linguagem possibilita a aquisição de novos conceitos e palavras, desenvolve capacidades de percepção, nomeação e verbalização, aumenta capacidades linguísticas (fonéticas, fonológicas, semânticas, sintacto/morfológicas); No domínio da socialização possibilita a interacção, facilita a assimilação da noção de grupo, promove capacidades de ouvinte activo, desenvolve potencialidades de interiorização e cumprimento de regras. E estas são apenas algumas das vantagens…
Voltando então à questão do sucesso/insucesso escolar, implica referir o papel que a actividade lúdica e o jogo têm no desenvolvimento da criança. Aspectos da motivação, da disponibilidade para a aprendizagem e o relacionamento são reforçados através das dinâmicas do jogo e do brincar, e, acima de tudo, do papel indiscutivelmente importante da família e do educador/professor na sua promoção.
É à família que compete ensinar à criança os laços de uma relação afectiva, de suporte e protecção, estável e equilibrada. A Escola tem função técnica, pedagógica e educativa, consciente e conhecedora da sua acção, e que se constitui como um elemento facilitador do processo de interacção, articulado e contínuo, entre criança e a sua família.
Mas é fundamental que o adulto, seja o familiar ou o professor, através da sua presença activa, dinâmica e colaborante, contribua, directa ou indirectamente, para o enriquecimento da actividade lúdica e das situações de jogo, assim como promova a construção do mundo mágico, fantasioso, imaginativo e criativo da criança potenciando as suas capacidades pessoais e sociais.
A brincar chegamos lá.