24 de março de 2020

TEMPOS ESQUISITOS…

Ao final da primeira semana de um tempo que nos empurrou para dentro de casa, para dentro da família, para dentro de uma prisão auto-imposta, longe de tudo e do que nos construiu como seres sociais, diferente do que conhecemos e sempre considerámos como “normal”, começam a surgir alguns sinais de incómodo, de cansaço e saturação, mas, sobretudo, de aprendizagem.

Os profissionais de educação (e em especial estes que aqui encontramos), estão a aprender a lidar com o desconhecido na forma de um manto branco espesso e opaco que cobre tudo aquilo que em que acreditavam. E, em alguns casos, não trataram de se prevenir para o desconhecido.

De repente, a necessidade de ser profissional “à distância”, de ter de encontrar estratégias nunca antes usadas e/ou pensadas ou, em alguns casos, nunca antes existentes. E, daí até uma espécie de frenesim didático pedagógico, foi um saltinho. Acho que nos esquecemos todos é que estávamos à beira de um precipício…

Tentando, de forma fria e analítica, percorrer a reflexão por alguns “tópicos” quentes, apetece-me dizer:

- Não estamos de férias!
Não. De facto estamos a trabalhar (e pagam-nos para isso). Estamos a trabalhar naquilo que fazemos melhor: atribuir intencionalidade educativa às ações, às experiências, às estratégias. E estamos a trabalhar num contexto e de uma forma diferente: a partir de casa e com os nossos “públicos” nas suas próprias casas…

- Só sabemos ser “educadores” em contexto de sala de atividades.
Não é verdade. É claro que há (e sempre haverá) Educadores e “entretedores”, mas, quer uns quer outros, se não têm a oportunidade de fazer um trabalho letivo diário em sala de atividades com as crianças e famílias que acompanham, terão outras formas de poder demonstrar a disponibilidade, conhecimento técnico e científico e, sobretudo, competência.

- É possível “converter” o nosso trabalho para modelos de “ensino doméstico” e/ou de “ensino à distância”…
Não. Não é.
Não é mandando por e-mail "atividades" em forma de fichas de números e letras para preencher ou "receitas" para fazer em casa que mantemos a dinâmica pedagógica e educativa que nos diferencia. Se os pais/famílias fossem "profissionais de educação", nós não teríamos esta profissão.
Nestes momentos estranhos, o que é importante para estas crianças e famílias é elas sentirem o apoio, a proximidade, a relação pessoal e personalizada. Há já muitas páginas, blogues, plataformas que já fornecem essas "ligações", com ideias, receitas e sugestões. O “on-line” disparou como se não houvesse amanhã. E há de tudo: do bom ao excelente, do sofrível ao muito mau.
O que se espera dos profissionais de educação não é que carreguem na tecla do “tem de ser” ou do “é para avaliar”. O que se espera deles (e eles fazem-no como ninguém) é que orientem e acompanhem as famílias, que lhes possam estender a mão e, sobretudo, tornar significativas as aprendizagens daí decorrentes.

- É preciso relação.
Muitas instituições educativas dispõem de possibilidade de fazer, de forma simples e eficaz, ligações por videoconferência e é possível criar números de telefone "espelho" (para ligar do número pessoal sem o identificar – porque não temos de quebrar barreiras se não as quisermos quebrar) ou mesmo ocultar o nosso número nas chamadas telefónicas.
Em última análise, é possível, a partir do nosso telefone, gravar pequenos vídeos para as crianças e alunos nos verem e ouvirem. E não é preciso a desculpa do "usar o telemóvel pessoal para o trabalho” porque as operadoras disponibilizaram 10GB de dados móveis gratuitos;
Além do mais, há (segundo dados do INE) cerca de 5% das famílias portuguesas que não dispõem ainda de ligação à internet. Mas têm telefone!

- O dia “escolar” é diferente do dia “familiar”
Não nos podemos esquecer que as famílias, em casa nesta situação esquisita, também têm de trabalhar (em teletrabalho, em atividades domésticas, etc.). Por tal, as sugestões de “trabalho” que os profissionais fazem chegar à famílias têm de reconhecer a dificuldade de gestão familiar que é muito diferente da gestão pedagógica de uma sala de atividades. Se quisermos relevar a intencionalidade pedagógica da nossa prática, temos de a transferir para o atual contexto. Assim, muito mais de que uma “fichite” aguda, convém-nos “olhar” para a narrativa pedagógica do “dia-a-dia" a que estamos confinados e elaborar sobre ela. Assim, o que é esperado de nós é que contribuamos através da atribuição de valor, sentido e intencionalidade pedagógica ao que "temos" em casa. Em cada casa;

-Temos de “trabalhar”…
Parece, “visto de fora”, que os profissionais têm também andado atarefados a tentar “mostrar trabalho”. E talvez essa “necessidade” (que foi criada não agora mas numa certa “industrialização” do processo educativo em que nos fomos deixando envolver) esteja a condicionar a forma de pensar educativa e esclarecida. Por isso, é importante manter um registo do contacto e das abordagens para que possam ser compiladas e organizadas. Porque, repito, não estamos de férias.

Os que aqui chegaram estão, neste momento, a pensar "mas o que é isto?". E sei também que, a maior parte de vós está ligeiramente irritada com este texto, mas, como já me “conhecem”, também sabem que não me importo minimamente com isso, porque, apesar desse "sentir", sei bem que todos sabemos que é importante, neste momento, agir e não apenas reagir.

E porque, enquanto Educador de Infância, sei bem que o meu "eu profissional" é bastas vezes confundido com as práticas dos/as "outros/as"...

Mantenham-se seguros e protegidos.

Porque isto vai passar!

1 de agosto de 2019

(BI)POLARIDADES

Andar por aqui", neste cada vez maior (e mais 'real') mundo de encontros, é um exercício que nos obriga, cada vez mais, a ter (e, anteriormente, ter construído) uma capacidade efectiva de tornar irrelevante o que se pretende fundamental.

É, de facto, uma espécie de bipolaridade a que ataca uma grande parte dos utilizadores das redes sociais.

E ainda se torna mais visível nos grupos (e 'pseudo' grupos) de (dir-se-ia) Educação.

De uma forma geral, não conhecemos, pessoal e presencialmente, a maior parte das pessoas com quem interagimos. E, talvez por isso, relevamos e desconsideramos o tipo e o modelo de interação.

Mas, quando se dá o facto de até conhecermos pessoalmente a pessoa, a prática, a crença e a "filosofia" de quem, connosco, se cruza por aqui, e constatamos as diferenças entre o "presencial" e o "virtual", não podemos ficar indiferentes...

Temos vindo, de há uns anos para cá, a criticar, a condenar, a violentar e a culpar as interações sociais mediadas pela internet. Temos vindo a atribuir às redes sociais o deteriorar das relações humanas. Temos, inclusive, praguejado e esconjurado as relações construídas pela tecnologia...

Façamos o seguinte exercício...

Imaginemos que nos cruzamos, no supermercado, com alguém que alega ser nosso conhecido mas que se apresenta com uma máscara facial que impede que vejamos e reconheçamos as suas feições. Interagiríamos?

Imaginemos que, no parque infantil, com os nossos filhos, um desconhecido se aproxima deles com "desafios irresistíveis". Continuaríamos imóveis e despreocupados?

Imaginemos que um desconhecido nos interpela, na rua, para que lhe emprestemos as nossas chaves de casa. Cederíamos?

Imaginemos que um doce que nos impressionou pelo "aspeto visual" se transforma numa desilusão gastronómica. Continuaríamos a recomendá-lo?

Estas são apenas algumas das perguntas que deveríamos fazer quando criticamos as "redes sociais". Porque, de forma geral, no espaço digital, temos "amigos" que apresentam, no perfil, uma "máscara" (que vai da foto do cão à inexistência de uma imagem que seja, de facto, nossa). Permitimos que os nossos filhos tenham uma "vida digital paralela" com estranhos sem nos preocuparmos e até cedemos, de forma voluntária, as nossas palavras-chave e outras informações pessoais. Ficamos "fãs de produtos e serviços que desconhecemos e, só por isso, estamos a "recomendar"...

Mas, ainda mais importante e pertinente: somos nós quem coloca a foto do cão, do gato, do canário, como imagem de identificação. Somos nós quem, de forma estranha e oculta, nos dirigimos a quem não nos conhece (sem, sequer respeitar as normas de cordialidade mínimas!). E somos nós quem fornece, gratuita e facilmente, a informação mais "simples" mas mais perigosa (onde estamos, o que estamos a fazer, para onde vamos, de onde viemos...) e contribuímos para a importância de quem (e do que), normalmente não a tem, apenas porque servimos de amplificador.

Talvez um dia não critiquemos no "geral" o que fazemos no particular.

Talvez um dia tenhamos a coragem de utilizar as ferramentas e a tecnologia de forma "humana" como fazemos com todas as outras dimensões da nossa vida.
Talvez um dia acreditemos que a coerência começa em nós. Em cada um de nós.

Mas para isso, um dia teremos de perceber que o que somos "on-line" não é o que somos "no real". Porque não faz sentido ter uma prática diária e idolatrar, nas redes sociais, quem defende o oposto. Porque não faz sentido "gostar", nas redes sociais, das palavras fantásticas de um teórico para, na prática, fazer o seu contrário.
Porque não faz sentido continuar a mentir-nos a nós próprios.

Porque, como diz o ditado, "a mentira tem perna curta". E nós já estamos de joelhos...

Aproveitemos a interrupção para descansar. E refletir sobre isto.

Boas férias.

15 de junho de 2019

TRANSIÇÕES

E eis-nos chegados a mais um final de ano.

E, por isso (ou por causa disso!), chegam tambem as "Festas de Finalistas", os diplomas, as cartolas, e todo um mundo de "marcas" que se pretendem significativas...

Confesso-vos que, por mais anos que leve "disto", continuo a não compreender (e garanto-vos que muitos me tentam "explicar"...) a mais-valia de tanta vontade de "marcar um fim"...

Diz-nos a Constituição da República Portuguesa (e depois todo o edifício legal consequente) que a Educação de Infância é "a primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida”. Sabemos também que, na Rede Pública de Educação Pré-Escolar, cerca de 80% dos jardins de infância públicos partilham espaços físicos com outros espaços e niveis escolares (o que, só por si, deveria justificar a "abolição" de Festas de Finalistas na educação de infância na Rede Pública).

Por último, desde que me conheço como profissional de educação de infância sempre senti (e lutei por isso!) que os sistemas de educação são (devem ser) baseados na ideia de continuidade e transição "pacífica", por forma a potenciar uma estrutura de evolução (em oposição à "revolução", caracterizada por incidentes críticos determinantes).

Dizem-nos as Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar que compete, de alguma forma, aos profissionais, "proporcionar, em cada fase, as experiências e oportunidades de aprendizagem que permitam à criança desenvolver as suas potencialidades, fortalecer a sua autoestima, resiliência, autonomia e autocontrolo, criando condições favoráveis para que tenha sucesso na etapa seguinte".

Posto isto, interrogo-me: será que o fazemos quando, por inércia ou porque "sempre foi assim", as submetemos a finais de ano que, em vez de potenciar transições tranquilas, se tornam uma espécie de "prova de fogo" (a simples menção ao facto de "para o ano é que vai ser") que são, só por si, um apelo à disrupção e ansiedade?...

Será que o fazemos quando assinalamos e sublinhamos, de forma física (diplomas, cartolas, presenças em palco, etc.), a "diferença" notória que, de alguma forma e inconscientemente, mostra que haverá, de facto, um corte profundo com os processos de aprendizagem e desenvolvimento a que os habituámos?...

Será que o fazemos quando nos justificamos com um "os pais e as famílias gostam e exigem", não percebendo que, só por o referir, estamos a negligenciar (e a penalizar) o nosso espaço de formação e acompanhamento parental e, de alguma forma, a desvalorizar o processo educativo de que fomos líderes?

Será que os níveis de ansiedade que, muitas vezes promovemos (ah, raios, afinal a "preparação" da festa final "só" começa uns 15 dias antes da data marcada...), ou o facto de que, nesta "Festa de Finalistas" até reconhecermos que há crianças que, pela sua data de nascimento, são hoje "finalistas" mas poderão ter de acompanhar mais um ano o grupo de educação pré-escolar (quantas vezes o "finalistas" não têm lugar numa turma do ciclo seguinte porque perfazem a idade mínima um ou dois dias depois do estabelecido na lei)?

Será porque, na nossa ânsia de "mostrar" trabalho, e por isso nos transformarmos em encenadores, ensaiadores, alfaiates e costureiras ou apenas "pontos de cena", acabamos por nos esquecer que cada criança é, de facto, diferente a compreender (e aceitar) a realidade a que a submetemos de forma única?

Ou será apenas porque, enquanto pofissionais, já deixámos de encontrar estratégias que sejam, mesmo, "Amigas das Crianças"?

Os anos letivos acabam. É certo.
Mas tambem os dias acabam. As horas acabam. As semanas acabam. O projetos acabam.
É verdade que "transições" são todos os processos de mudança. E que, de uma forma geral, é necessário (e fundamental) acompanhar crianças pequenas (e não só) para facilitar processos integradores de sucesso. Mas...

...a integração não começa no último dia de atividades letivas. A integração não se potencia fazendo "coisas" que só acontecem uma vez na vida das Crianças. A integração não tem mais sucesso porque "É diferente".

E, não acontece, com certeza, quando, subliminarmente, lhes dizemos: "agora é que vai ser"...

Se os pais e familias gostam de as ver "atuar" (mesmo que passem todo o "espetáculo com os telemóveis na mão para "mais tarde recordar" e a única imagem que fica na cabeça de uma criança, em cima do palco, é uma "cabeça de telemóvel"...); se os pais e familias "só vão à Festa de Final de Ano, porque, de outra forma não acompanham as crianças..."; se as crianças (pelo antes exposto) "gostam e querem" fazer um espetáculo (pensemos se não será a única forma de dizerem: "estou aqui e gosto desta escola: talvez assim reparem nisso!"...), teremos de ser nós, os mediadores de aprendizagens e relacionamentos, a fazer diferente. A promover diferente. A encontrar outras soluções.
Porque, no final de tudo, é para isso que nós pagam!

Porque o sempre foi assim não pode justificar tudo...

Nem o "eles gostam" (porque a maior parte das Crianças gostariam de ter como almoço diário uma pizza ou uma pastilha elástica, e nós não o "permitimos" por alguma razão)...

Alguma coisa teremos de fazer. Quanto mais não seja, refletir sobre o "que fazemos e porque fazemos" além do "sempre foi assim".

Reflitamos.
E que seja um Final de Ano que, acima de tudo, nos dê prazer.

2 de junho de 2019

Sempre foi assim...

O título desta reflexão é uma das frases que mais tenho ouvido desde que sou profissional de educação.

De forma explícita e clara ou através de um quase imperceptível encolher de ombros, a expressão "porque sempre se fez assim" tem construído, ao longo dos anos, uma espécie de desculpa para parte do nosso imobilismo e até incongruência técnica e pedagógica.

Lembro bem, quando iniciei o percurso profissional, ter ouvido uma frase, de colega mais antigo, que me aconselhava: "se corres com os míudos, os pais deles vão querer que nós corramos também...".

Admito que sempre me fez impressão que tenhamos (nós que deveríamos ser os motivadores da inovação e da descoberta pedagógica) permitido que os nossos sonhos, as nossas propostas, as nossas idiossicrasias tivessem sido atropelados por uma desistência que não nos deveria caracterizar como Educadores.

O que fará com que tenhamos deixado de "ler" a criança e a comunidade? O que terá acontecido para que o "sempre foi assim" tivesse ditado o nosso caminho de desistência?...

Terá sido a nossa incapacidade de nos mantermos atentos e informados? De perceber que, feliz ou infelizmente, a nossa escolha profissional tem um conjunto de pressupostos que teria de fazer de nós muito mais do que "técnicos" reprodutivos e acéfalos?...

Ao ler, por aqui, tantas escolas "Amigas das Crianças" não deixo de me congratular com um Prémio(?) que incentiva a olhar para as práticas distintivas, para os profissionais que se envolvem, para as comunidades que se inspiram...

Mas não será um Prémio com este nome uma redundância provocada por uma desistência que temos vindo a promover porque "sempre foi assim"?

A escola, qualquer escola, deveria ser, por princípio, amiga da(s) criança(s). Mas, de facto, temos desistido de nos concentrar nesse facto. A nossa falta de tempo, o nosso "não quero saber", a nossa idade (quase provecta), a nossa falta de paciência e, sobretudo, a forma como nos têm tratado, vieram a contribuir para que a Escola deixasse de ser um local aprazível.

E para nós funciona tão bem não ter que imaginar novas formas de construir o discurso de sempre: o bonecos de neve recortados do ano passado fazem o mesmo efeito nos míudos deste ano; as formações que nos dão receitas são perfeitas para não gastar neurónios; as redes sociais que nos dão manualidades que não conhecíamos são essenciais para demonstrar alguma preocupação em "inovar"...

O Futuro que estamos a promover será o nosso Presente em breve. E temo-nos esquecido que uma escola que não potencia o pensamento e a reflexão e que apenas se limita a transmitir o "sempre foi assim" acaba por se perder na sua insignificância. Porque os nossos atos e o modelo que damos é bem mais "educativo" do que as muitas modas e prémios que não deixam uma estrutura digna desse nome.

Talvez seja chegado o tempo de, mais do que docentes, pensarmos na Escola que verdadeiramente queremos: uma escola Amiga das Crianças ou amiga do conhecimento? Uma escola Amiga das Crianças ou amiga do futuro? Uma escola que defina o prazer de aprender ou apenas um local para obrigar a estar?...

Está em cada um de nós perceber que ser Amiga das Crianças não deve ser um Prémio. Mas uma naturalidade.

Não obstante, parabéns a todos aqueles (muitas vezes sozinhos, porque esta coisa dos prémios também premeia muito parasita!) que acreditam que, pelo reconhecimento do seu exemplo, é possível não desistir!

25 de maio de 2019

A escola do futuro...

A Escola - tal como a conhecemos e sobre a qual construímos conhecimento - existe porque adveio de um modelo social específico - o da Revolução Industrial - onde existiam necessidades sociais únicas e era fundamental criar mão de obra especializada nos processos produtivos.

Hoje, a sociedade que conhecemos e os processos de aprendizagem e conhecimento (bem como os conteúdos pertinentes) mudaram.

As necessidades sociais são outras, os esquemas de produção e de geração de riqueza baseiam-se em outros instrumentos e procedimentos e o conhecimento prático e conceptual é uma exigência.

Mas a Escola, aquela que frequentamos hoje, para a qual caminhamos diariamente, mantém as lógicas e dinâmicas daquela que a Revolução Industrial fez nascer.

E isso torna o processo educativo difícil. Complicado. Esgotante.

Há quem diga que a Escola está a mudar.

Mas talvez seja porque as mudanças que assistimos em todos os mezzo e macro sistemas (organizações sociais e políticas, estruturas empresariais, e outra) a obriga a fazê-lo.

E porque é "obrigada" pelas condições exteriores, a Escola (e os seus profissionais) não refletem, de facto, sobre o caminho de mudança...

Para agravar, dentro da Escola, quem lá está, recusa-se a operar mudanças. porque estas lhes podem afetar a "segurança", o "know-how" que julgam ter e, sobretudo, os processos de liderança (que, neste caso, se deveriam chamar "processos de Mandança").

Por outro lado, as famílias tornam-se mais conscientes dos desafios e dificuldades (inclusive com a "boa educação" que sentem que os filhos não têm) e tendem a ser mais "observadoras" dos processos educativos formais (claro que estou a falar numa perspetiva macro), mas, de alguma forma, continua a faltar informação pertinente.

Ora, tudo isto junto deixa-nos sentados num barril de pólvora: a autoridade (e não autoritarismo) docente começa a ser posto em causa (mesmo nos processos organizacionais internos - repare-se como há
cada vez mais docentes a "contestar" direções, a "fazer o contrário", etc. -) e isso acabará por levar a uma espécie de caos onde ninguém sabe, ao certo, para onde quer ir...

Para acabar, não posso deixar de referir o óbvio: inundam-nos de informações, formações e pseudo-formações "inovadoras" e "vanguardistas" para falar de "salas de aula de futuro" mas fazem-no em salas preparadas para o passado, com as inenarráveis disposições de secretarias em filas, o "professor" sobre o estrado, e os conteúdos devidamente "preparados" para mais fácil doutrinação, apontando, inconscientemente, para a mesma escola de sempre.

Roubei esta frase a um amigo, e fi-lo sem autorização (mas ele não se importará) porque define muito bem o que estamos a passar na Escola: "o foco do sistema de ensino na rotinação, disciplina cega e a autofagia dos exames, em que o conhecimento e aprendizagem são totalmente direcionadas para o desempenho na métrica do momento de avaliação, não dão resposta ao tipo de competências que os nossos alunos vão precisar para viver, sobreviver e serem competitivos no seu futuro."

No final disto tudo fica a dúvida: o que fazer entre o que as "crianças sabem" e o que os adultos querem que ela saiba?...

8 de março de 2019

PELO “OUTRO”…


De uma forma geral, quem “passa a vida” à volta das questões de Educação, seja a praticá-la, a refleti-la ou, pura e simplesmente, a criticá-la, assume, quase sempre, a atitude egocêntrica de quem acha que, por ter estudado, por ter investido na sua formação (sobretudo académica) e por ter dedicado uma parte importante da sua vida a “ser exemplo”, é, de alguma forma, “diferente”.

Normalmente não discute o que de menos bem pode, ocasionalmente, fazer, nem assume que uma vida de “ensinagem” não significa, de fato, uma efetiva aprendizagem. Dele e dos “outros”.
Tende a achar que é “o melhor modelo” e que, poucos (ou quase nenhuns) compreendem a dedicação, a competência, o envolvimento e, sobretudo, a capacidade de “fazer”.

Dedica parte do seu tempo a evidenciar (ou a tentar) a sua “imensa qualidade” e, regra geral, aceita pouco uma sugestão e/ou crítica.

E porque sente que “o mundo está contra si”, acaba por se fechar numa cápsula protetora, de onde não sai nem quer sair.

Acaba por trilhar caminhos paralelos, sem que nunca, mas nunca mesmo, esses caminhos se cruzem com outras práticas, com outras experiências, com outras vivências. E assim, de ponto em ponto, lá vai construindo uma linha reta sem tropeções, sem cruzamentos e, sobretudo, sem problemas.
Por vezes, pára para pensar. E, quando pensa, chega à conclusão que os outros estão errados. Que o “outro” é pouco interessante e que lhe traz pouco de bom. Quando pensa, descobre que “já fez”, “já sabe” ou “já experimentou”.

De novo ou inovador pouco o “outro” lhe pode trazer.
Dá-se o caso, por vezes, que o “outro” ser uma criança. Um “aluno” sedento de aprender, de conhecer, de transformar experiências vividas em aprendizagens significativas.

E o “outro”, por vezes, também é o “colega da porta do lado”, que mesmo não sabendo tanto e com tanta profundidade, tem, pelo menos, o dom e a capacidade de olhar. De ver e compreender que, por vezes, os caminhos não são em linha reta.
Estamos tão certos e seguros do que fazemos, que nos esquecemos de que, bem mais importante, é “sermos”. E “sermos” significa, acima de tudo, ter a capacidade e humildade de nos abrirmos ao outro. De ouvir, de escutar, de compreender a razão, a experiência, a dedicação, o conhecimento, a prática do “outro”.

Mas, de tão centrado nele próprio, o que “passa a vida” à volta das questões de Educação acaba por perder a possibilidade de ser abraçado e apoiado pelo “outro”. Perde a possibilidade de fazer melhor e de forma mais fácil. Acaba angustiado por não receber o abraço que não dá.
Um dia, todos nós, “que passamos a vida” à volta da Educação, vamos perceber que o que nos fez perder o pé foi a falta de empatia pelo “outro”. Foi a incapacidade de reconhecermos a centralidade do outro na nossa vida e na nossa ação. E, nesse dia, vamos ser capazes de reconhecer o mérito do outro (porque é também nosso); vamos reconhecer a qualidade do outro (porque é também a nossa!); vamos ser capazes de agradecer ao outro (mesmo que nos tenha assustado e desequilibrado) porque nos tornou mais fortes e resilientes.

Um dia, vamos ser capazes de reconhecer as boas práticas do outro porque serão elas o fundamento das nossas ótimas práticas.

Um dia saberemos que o melhor modelo é aquele em que, mais do que colaborarmos e cooperarmos, temos espaço para SER. E para partilhar o que em nós é único para que sirva a muitos outros.

Um dia…



 
 
  

18 de janeiro de 2019

PEDAGOGIA DA POÇA


Há uns anos escrevi um texto (publicado numa revista da especialidade), ao qual dei o título "Pedagogia da Cachupa".
Grosso modo, refletia sobre a (na altura) profusão de projetos "multiculturais" que chegavam às escolas. Quase todos os dias havia festas com Cachupa, Moamba e muita música de inspiração africana. Todas as comunidades escolares se organizavam para "receber" e "incluir" as crianças e famílias que, de alguma forma se viam confrontadas com um certo racismo e uma atitude xenófoba da sociedade que os acolhia. De uma forma geral, estas festas e atividades pretendiam "dar a conhecer" a cultura, os hábitos, as lógicas sociais e humanas daqueles que, tendo nascido em outros países (alguns em guerra, na altura) corriam meio mundo para tentar uma vida melhor para si e para os seus filhos. E, como objetivo fundamental e final, "ensinar o respeito pelo outro".
Não querendo repetir o artigo, assinalo apenas a pergunta final que aí deixava: "quantos de nós sabem em que dia (e mês) se celebra (de acordo com a resolução da ONA) o Dia de África? E quantos de nós saberão o que é o Umbundu?..."
Serve este pequeno prólogo para fazer notar que, alguns anos depois (e mantendo-se a "alguma" atitude racista e xenófoba daqueles que, à altura, eram os destinatários de tais "projetos integradores", que se continuam a mostrar irredutíveis em relação à imigração ou mesmo ao conhecimento da(s) cultura(s) e hábitos de outra comunidades), em algo a Educação (e sobretudo os tais "projetos educativos") não mudou muito: hoje chamo "Pedagogia da Poça" ao surgimento de uma imensidão de projetos com "água", "mar" "oceanos" e "poluição marinha" que nos avassala...
Porque me parece, como há uns anos me pareceu, que falta alguma profundidade na base, na análise, na reflexão, na ação...
Porque a água se respeita quando se aprende a respeitar. Porque o cultura de respeito se cultiva quando, por exemplo, se desenvolvem processos de aprendizagem e desenvolvimento que não têm um fim em forma de "concurso".
Porque a água se respeita quando (e sobretudo num país atlântico como o nosso) a adequação ao meio aquático dos cidadãos ou a utilização de sistemas de poupança (particulares e colectivos) são endémicos e não apenas fruto de uma moda passageira (e sim, compete-nos a todos perceber que as ações terão de ser nossas. Sejam pessoais ou profissionais. Mesmo que eu não goste ou não saiba nadar ou tenha um poço ao fundo do quintal...).
No meu caso particular, poderia falar-vos da dificuldade que é levar um grupo de 25 crianças à piscina municipal em "horário lectivo" (e das "vozes contra" que persistem). Ou da demora institucional (e os decorrentes processos burocráticos) para poder trocar, na escola, uma torneira que pinga...
Não vou fazê-lo apenas porque creio que será recorrente em muitas escolas por este país fora.
Fica, contudo, esta reflexão em voz alta: por mais projetos e pedagogias que "sirvam" para "chamar à atenção", torna-se cada vez mais essencial apostar numa "Pedagogia do Carácter". Para alunos. Mas não apenas.
Porque a ecologia que precisa, urgentemente, de uma "moda duradora" é mesmo a do ser humano...