Com o advento de um novo modelo social, no qual as famílias (as avós, os vizinhos, etc.) deixaram de poder ser um esteio na co-responsabilidade da prestação de cuidados às crianças e jovens, em períodos de tempo complementares à frequência escolar, temos constatado um conjunto enorme de alterações nas dinâmicas das famílias.
Hoje já não é assim tão comum encontrar famílias que prescindam dos serviços extra-escolares de apoio.
Se por um lado cresceram as ofertas educativas e sociais da escola (com os espaços escolares a adaptarem-se a novas exigências e a fornecerem serviços até há bem pouco tempo impensáveis), por outro, os docentes (e demais cuidadores) assumiram novos papéis, acompanhando esta sociedade que muda e que exige que a Escola assuma uma atitude mais assistencialista do que educativa, centrada na formação e na instrução.
Podemos confundir os termos, e claro que “educação” é muita coisa. Mas, neste caso, a alegoria africana que é conhecida de muita gente, pode ajudar: “É preciso toda uma aldeia para educar uma criança”.
À escola devemos exigir, antes de mais, que instrua. Que transmita. Que exija.
Mas, na instrução cabe, antes de mais, a necessidade de criar cidadãos interessados, participativos, solidários e envolvidos.
Não é menos verdade que, se, enquanto comunidade, depositámos na Escola a arte e o engenho de oferecer muito mais serviços de apoio às famílias, isso, se refletido seriamente, obriga-nos a reconhecer a falência da instituição escolar. Por vezes, exigimos à Escola respostas que não fazem parte da sua cultura, da sua especificidade, do seu saber.
Refeições, serviços complementares de apoio às famílias, atividades complementares ou apoio especializado (psicólogos, acompanhamento nutricional, projetos de apoio social – pequenos almoços para famílias desfavorecidas, fruta escolar, etc.) não são, por natureza, atividades da Escola.
Têm vindo a ser os serviços municipais a assegurar estas respostas complementares que, contudo, se processam num espaço delimitado e predefinido, cuja responsabilidade formal, não é sua. E essa falta de responsabilidade, por vezes, leva a dificuldades operativas que urge clarificar para resolver.
Se quisermos ser honestos, não podemos responsabilizar um professor pela qualidade (ou falta dela) das refeições escolares, nem podemos responsabilizar os serviços municipais pelo insucesso escolar dos alunos.
Mas existe uma relação direta entre ambas. E saber isso implica que tenhamos uma consciência clara do papel de cada um dos lados que se movimentam neste espaço, dos seus papéis, das suas áreas de intervenção e, sobretudo, dos seus projetos.
Por isso, exigir à escola que eduque, no sentido mais lato do termo, o que define a tal “obrigação” da aldeia, não pode (nem deve!) ser feito sem que se construam as condições mínimas para tal. E essas tais condições implicam que existam espaços colaborativos, que sejam assumidos, desenvolvidos e que, necessariamente, sejam tidos em conta na hora das decisões. Não bastam “colégios eleitorais” ou “grupos de cidadãos”. A cidadania ativa é individual. Não podemos, enquanto comunidade, permitir que os atos eleitorais sejam os únicos momentos em que decidimos o nosso futuro e o das gerações que deixamos.
Participar é fundamental. De forma consciente e clara.
*publicado no jornal "O Carrilhão", 01.03.2014, na rubrica "Reflectir Educação"