5 de outubro de 2016

Ler as OCEPE. Um exercício fundamental.




Da leitura (atenta, reflexiva e analítica) que fiz da (re)publicação das Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (OCEPE), destaco três ideias-chave.
A primeira é a da manutenção da forma (e de grande parte do conteúdo) da edição anterior. Apesar das pequenas alterações cirúrgicas em momentos de atualização formal e funcional (por exemplo, com a alteração da designação Expressão Motora para o termo Educação Física, entre outras) ou com a discriminação (e consequente explicitação) de alguns conceitos, sobretudo aqueles que decorreram da avaliação continuada da exequibilidade ao longo dos anos (havendo, por exemplo, uma tentativa clara de “integrar” algumas sugestões que foram sendo descobertas pelos “Guiões de apoio à prática”), de facto, esta nova versão faz apelo à continuidade da dinâmica de leitura e interpretação que foram propostas há vinte anos.
Não obstante, torna-se clara a vontade de atualização de conceitos e de estruturas do pensamento (apesar da extensão do documento) que, na minha perspetiva definem e concretizam as duas seguintes “ideias-chave”.
A segunda “grande” evidência do documento é a primazia (concreta) ao “Brincar”. Assumindo-a como “a atividade natural da criança e a sua forma holística de aprender” (p.12), destaca-se da anterior versão ao tornar explícito um conjunto enorme de evidências desta fundamentação pedagógica, quer seja ao longo da apresentação do modelo/paradigma inerente ao documento, quer seja na apresentação de sugestões concretas de desenvolvimento de atividades. Desta enumeração, decorre a caracterização de algumas práticas que, ao longo dos anos foram experimentadas e mantidas, nas quais a utilização do “brincar” surge valorada como “entretenimento”, em detrimento do reforço (agora feito) da “aprendizagem e desenvolvimento caracterizada pelo elevado envolvimento da criança” (idem).
Por fim (e para mim talvez o mais importante!), a mudança efetiva do paradigma de Avaliação em Educação de Infância.
Talvez possa não ser tão claro numa leitura escorreita e rápida, ou mesmo na forma “leve” como tem vindo a ser lida (e comentada em público), mas neste âmbito surgem diversas questões estruturantes que não podem ser deixadas de ter em conta e devidamente refletidas e partilhadas.
Ao reforçar e valorizar o envolvimento dos pares e do contexto (nada que não fizesse antes, mas que agora reforça determinantemente) e ao enfocar a ideia de “avaliação para a ação” e da “avaliação para a aprendizagem”, vem, no meu entender, apontar as baterias para as práticas organizativas, classificativas e discriminativas que temos usado nos nossos procedimentos de avaliação.
Ao clarificar que “(…) aprendizagem e o desenvolvimento não devem ser aferidas por objetivos ou metas previamente definidas” (p. 20) ou considerando que “a educação pré-escolar não envolve nem classificação da aprendizagem da criança nem o juízo de valor sobre a sua maneira de ser” (p. 20), a proposta/modelo de avaliação implícita faz uma forte crítica às fichas, grelhas e demais instrumentos de registo de avaliação que temos utilizado e que nos tornam reféns de ordenações e, sobretudo, de análises comparativas.
Fazendo uma “ligação direta” aos métodos de análise avaliativa que são tão comuns nos nossos grupos de docência (e esta é uma análise minha!), as escalas de Likert (por exemplo, quando usamos as expressões “adquirido”, não adquirido”, “não observado”…) são, por definição, instrumentos de classificação (ver Cohen, L., Manion, L., & Morrison, K. (2000). Research methods in education (5th ed.). New York: Routledge. (pp. 253-255).
Logo, mesmo que possamos “construir” um conjunto de “critérios” (critério: do grego kritérion pelo latim critério - é um padrão que serve de base para que coisas e pessoas possam ser comparadas e julgadas) que nos pareçam o mais “abertos” possível, incorremos logo no “erro” (segundo o paradigma avaliativo apresentado nas OCEPE) de, inconscientemente, estarmos a produzir “classificação” e “juízo de valor”.
Ora, nesta leitura, torna-se evidente que, por mais que nos possa parecer que a novas “orientações” nos trazem “poucas” mudanças (principalmente a quem não as leu ou as leu apenas “por alto”, o que é certo é que, provavelmente, estamos perante uma das maiores mudanças (em termos de “princípios educativos”) de que há memória por aqui.
E se eu quiser ser ainda mais “provocador”, ficaremos ao nível daquilo que a Finlândia tem vindo a “vender”, como modelo educativo de excelência.
Mas isto é apenas a minha leitura.
Vamos ler e comentar?