Da leitura (atenta, reflexiva e analítica) que fiz da (re)publicação
das Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (OCEPE), destaco três
ideias-chave.
A primeira é a da manutenção da forma (e de grande parte do
conteúdo) da edição anterior. Apesar das pequenas alterações cirúrgicas em
momentos de atualização formal e funcional (por exemplo, com a alteração da
designação Expressão Motora para o termo Educação Física, entre outras) ou com
a discriminação (e consequente explicitação) de alguns conceitos, sobretudo
aqueles que decorreram da avaliação continuada da exequibilidade ao longo dos
anos (havendo, por exemplo, uma tentativa clara de “integrar” algumas sugestões
que foram sendo descobertas pelos “Guiões de apoio à prática”), de facto, esta
nova versão faz apelo à continuidade da dinâmica de leitura e interpretação que
foram propostas há vinte anos.
Não obstante, torna-se clara a vontade de atualização de
conceitos e de estruturas do pensamento (apesar da extensão do documento) que,
na minha perspetiva definem e concretizam as duas seguintes “ideias-chave”.
A segunda “grande” evidência do documento é a primazia
(concreta) ao “Brincar”. Assumindo-a como “a atividade natural da criança e a
sua forma holística de aprender” (p.12), destaca-se da anterior versão ao
tornar explícito um conjunto enorme de evidências desta fundamentação
pedagógica, quer seja ao longo da apresentação do modelo/paradigma inerente ao
documento, quer seja na apresentação de sugestões concretas de desenvolvimento
de atividades. Desta enumeração, decorre a caracterização de algumas práticas que,
ao longo dos anos foram experimentadas e mantidas, nas quais a utilização do “brincar”
surge valorada como “entretenimento”, em detrimento do reforço (agora feito) da
“aprendizagem e desenvolvimento caracterizada pelo elevado envolvimento da
criança” (idem).
Por fim (e para mim talvez o mais importante!), a mudança
efetiva do paradigma de Avaliação em Educação de Infância.
Talvez possa não ser tão claro numa leitura escorreita e
rápida, ou mesmo na forma “leve” como tem vindo a ser lida (e comentada em
público), mas neste âmbito surgem diversas questões estruturantes que não podem
ser deixadas de ter em conta e devidamente refletidas e partilhadas.
Ao reforçar e valorizar o envolvimento dos pares e do
contexto (nada que não fizesse antes, mas que agora reforça determinantemente)
e ao enfocar a ideia de “avaliação para a ação” e da “avaliação para a
aprendizagem”, vem, no meu entender, apontar as baterias para as práticas
organizativas, classificativas e discriminativas que temos usado nos nossos
procedimentos de avaliação.
Ao clarificar que “(…) aprendizagem e o desenvolvimento não
devem ser aferidas por objetivos ou metas previamente definidas” (p. 20) ou
considerando que “a educação pré-escolar não envolve nem classificação da
aprendizagem da criança nem o juízo de valor sobre a sua maneira de ser” (p.
20), a proposta/modelo de avaliação implícita faz uma forte crítica às fichas,
grelhas e demais instrumentos de registo de avaliação que temos utilizado e que
nos tornam reféns de ordenações e, sobretudo, de análises comparativas.
Fazendo uma “ligação direta” aos métodos de análise
avaliativa que são tão comuns nos nossos grupos de docência (e esta é uma
análise minha!), as escalas de Likert (por exemplo, quando usamos as expressões
“adquirido”, não adquirido”, “não observado”…) são, por definição, instrumentos
de classificação (ver Cohen, L., Manion, L., & Morrison, K. (2000). Research methods in
education (5th
ed.). New York: Routledge. (pp. 253-255).
Logo, mesmo que possamos “construir” um conjunto de “critérios”
(critério: do grego kritérion
pelo latim critério - é um padrão
que serve de base para que coisas e pessoas possam ser comparadas e julgadas)
que nos pareçam o mais “abertos” possível, incorremos logo no “erro” (segundo o
paradigma avaliativo apresentado nas OCEPE) de, inconscientemente, estarmos a
produzir “classificação” e “juízo de valor”.
Ora, nesta leitura, torna-se evidente que, por mais que nos
possa parecer que a novas “orientações” nos trazem “poucas” mudanças (principalmente
a quem não as leu ou as leu apenas “por alto”, o que é certo é que,
provavelmente, estamos perante uma das maiores mudanças (em termos de “princípios
educativos”) de que há memória por aqui.
E se eu quiser ser ainda mais “provocador”, ficaremos ao
nível daquilo que a Finlândia tem vindo a “vender”, como modelo educativo de
excelência.
Mas isto é apenas a minha leitura.
Vamos ler e comentar?