"Entre nós as crianças são educadas para a dissimulação. Aprendem a prescindir do pensamento. Viver sem pensar é uma arte difícil. Exige um treino árduo. Em situações em que o pensamento aflora (um descuido), as crianças são ensinadas a não abrir a boca. No caso de serem forçadas a abrir a boca, enquanto pensam, nunca, mas nunca, devem dizer o que lhes vai na alma. A hipocrisia constitui virtude muitíssimo apreciada na terra dos homens-camaleões. Outras normas:
- Ter o cuidado de não deixar marcas da nossa passagem. Varrer as pegadas que ficam para trás.
- Não respirar na presença de estranhos. Sendo mesmo necessário respirar, deve evitar-se o mais leve ruído.
- Esforçar-se, sempre, por confundir-se com a paisagem, em particular a paisagem política.
- Em Roma sê romano, e de preferência um pouco mais papista do que o Papa. Quando os outros disserem mata, grita esfola.
- Ser sempre o último a sair da mesa (das festas, do escritório, etc.). Numa mesa com angolanos, os que saem vão sendo sucessivamente caluniados pelos que ficam. A punhalada pelas costas é desde há muito um dos nossos desportos nacionais"
José Eduardo Agualusa, Barroco Tropical, 2009
Poucas vezes, neste espaço, tenho usado palavras de outros para exprimir o que sinto. Deixo essa vertente para outros espaços virtuais.
Contudo, esta passagem é deveras clara e clarificadora. Apesar de devidamente "identificada e temporalizada", nunca eu tal conseguiria.
Que me desculpe o Agualusa mas quem publica o que escreve pode ter de se sujeitar...
E que bem está dito...
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