2 de junho de 2019

Sempre foi assim...

O título desta reflexão é uma das frases que mais tenho ouvido desde que sou profissional de educação.

De forma explícita e clara ou através de um quase imperceptível encolher de ombros, a expressão "porque sempre se fez assim" tem construído, ao longo dos anos, uma espécie de desculpa para parte do nosso imobilismo e até incongruência técnica e pedagógica.

Lembro bem, quando iniciei o percurso profissional, ter ouvido uma frase, de colega mais antigo, que me aconselhava: "se corres com os míudos, os pais deles vão querer que nós corramos também...".

Admito que sempre me fez impressão que tenhamos (nós que deveríamos ser os motivadores da inovação e da descoberta pedagógica) permitido que os nossos sonhos, as nossas propostas, as nossas idiossicrasias tivessem sido atropelados por uma desistência que não nos deveria caracterizar como Educadores.

O que fará com que tenhamos deixado de "ler" a criança e a comunidade? O que terá acontecido para que o "sempre foi assim" tivesse ditado o nosso caminho de desistência?...

Terá sido a nossa incapacidade de nos mantermos atentos e informados? De perceber que, feliz ou infelizmente, a nossa escolha profissional tem um conjunto de pressupostos que teria de fazer de nós muito mais do que "técnicos" reprodutivos e acéfalos?...

Ao ler, por aqui, tantas escolas "Amigas das Crianças" não deixo de me congratular com um Prémio(?) que incentiva a olhar para as práticas distintivas, para os profissionais que se envolvem, para as comunidades que se inspiram...

Mas não será um Prémio com este nome uma redundância provocada por uma desistência que temos vindo a promover porque "sempre foi assim"?

A escola, qualquer escola, deveria ser, por princípio, amiga da(s) criança(s). Mas, de facto, temos desistido de nos concentrar nesse facto. A nossa falta de tempo, o nosso "não quero saber", a nossa idade (quase provecta), a nossa falta de paciência e, sobretudo, a forma como nos têm tratado, vieram a contribuir para que a Escola deixasse de ser um local aprazível.

E para nós funciona tão bem não ter que imaginar novas formas de construir o discurso de sempre: o bonecos de neve recortados do ano passado fazem o mesmo efeito nos míudos deste ano; as formações que nos dão receitas são perfeitas para não gastar neurónios; as redes sociais que nos dão manualidades que não conhecíamos são essenciais para demonstrar alguma preocupação em "inovar"...

O Futuro que estamos a promover será o nosso Presente em breve. E temo-nos esquecido que uma escola que não potencia o pensamento e a reflexão e que apenas se limita a transmitir o "sempre foi assim" acaba por se perder na sua insignificância. Porque os nossos atos e o modelo que damos é bem mais "educativo" do que as muitas modas e prémios que não deixam uma estrutura digna desse nome.

Talvez seja chegado o tempo de, mais do que docentes, pensarmos na Escola que verdadeiramente queremos: uma escola Amiga das Crianças ou amiga do conhecimento? Uma escola Amiga das Crianças ou amiga do futuro? Uma escola que defina o prazer de aprender ou apenas um local para obrigar a estar?...

Está em cada um de nós perceber que ser Amiga das Crianças não deve ser um Prémio. Mas uma naturalidade.

Não obstante, parabéns a todos aqueles (muitas vezes sozinhos, porque esta coisa dos prémios também premeia muito parasita!) que acreditam que, pelo reconhecimento do seu exemplo, é possível não desistir!

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