Ao final da primeira semana de um tempo que nos empurrou para dentro de casa, para dentro da família, para dentro de uma prisão auto-imposta, longe de tudo e do que nos construiu como seres sociais, diferente do que conhecemos e sempre considerámos como “normal”, começam a surgir alguns sinais de incómodo, de cansaço e saturação, mas, sobretudo, de aprendizagem.
Os profissionais de educação (e em especial estes que aqui encontramos), estão a aprender a lidar com o desconhecido na forma de um manto branco espesso e opaco que cobre tudo aquilo que em que acreditavam. E, em alguns casos, não trataram de se prevenir para o desconhecido.
De repente, a necessidade de ser profissional “à distância”, de ter de encontrar estratégias nunca antes usadas e/ou pensadas ou, em alguns casos, nunca antes existentes. E, daí até uma espécie de frenesim didático pedagógico, foi um saltinho. Acho que nos esquecemos todos é que estávamos à beira de um precipício…
Tentando, de forma fria e analítica, percorrer a reflexão por alguns “tópicos” quentes, apetece-me dizer:
- Não estamos de férias!
Não. De facto estamos a trabalhar (e pagam-nos para isso). Estamos a trabalhar naquilo que fazemos melhor: atribuir intencionalidade educativa às ações, às experiências, às estratégias. E estamos a trabalhar num contexto e de uma forma diferente: a partir de casa e com os nossos “públicos” nas suas próprias casas…
- Só sabemos ser “educadores” em contexto de sala de atividades.
Não é verdade. É claro que há (e sempre haverá) Educadores e “entretedores”, mas, quer uns quer outros, se não têm a oportunidade de fazer um trabalho letivo diário em sala de atividades com as crianças e famílias que acompanham, terão outras formas de poder demonstrar a disponibilidade, conhecimento técnico e científico e, sobretudo, competência.
- É possível “converter” o nosso trabalho para modelos de “ensino doméstico” e/ou de “ensino à distância”…
Não. Não é.
Não é mandando por e-mail "atividades" em forma de fichas de números e letras para preencher ou "receitas" para fazer em casa que mantemos a dinâmica pedagógica e educativa que nos diferencia. Se os pais/famílias fossem "profissionais de educação", nós não teríamos esta profissão.
Nestes momentos estranhos, o que é importante para estas crianças e famílias é elas sentirem o apoio, a proximidade, a relação pessoal e personalizada. Há já muitas páginas, blogues, plataformas que já fornecem essas "ligações", com ideias, receitas e sugestões. O “on-line” disparou como se não houvesse amanhã. E há de tudo: do bom ao excelente, do sofrível ao muito mau.
O que se espera dos profissionais de educação não é que carreguem na tecla do “tem de ser” ou do “é para avaliar”. O que se espera deles (e eles fazem-no como ninguém) é que orientem e acompanhem as famílias, que lhes possam estender a mão e, sobretudo, tornar significativas as aprendizagens daí decorrentes.
- É preciso relação.
Muitas instituições educativas dispõem de possibilidade de fazer, de forma simples e eficaz, ligações por videoconferência e é possível criar números de telefone "espelho" (para ligar do número pessoal sem o identificar – porque não temos de quebrar barreiras se não as quisermos quebrar) ou mesmo ocultar o nosso número nas chamadas telefónicas.
Em última análise, é possível, a partir do nosso telefone, gravar pequenos vídeos para as crianças e alunos nos verem e ouvirem. E não é preciso a desculpa do "usar o telemóvel pessoal para o trabalho” porque as operadoras disponibilizaram 10GB de dados móveis gratuitos;
Além do mais, há (segundo dados do INE) cerca de 5% das famílias portuguesas que não dispõem ainda de ligação à internet. Mas têm telefone!
- O dia “escolar” é diferente do dia “familiar”
Não nos podemos esquecer que as famílias, em casa nesta situação esquisita, também têm de trabalhar (em teletrabalho, em atividades domésticas, etc.). Por tal, as sugestões de “trabalho” que os profissionais fazem chegar à famílias têm de reconhecer a dificuldade de gestão familiar que é muito diferente da gestão pedagógica de uma sala de atividades. Se quisermos relevar a intencionalidade pedagógica da nossa prática, temos de a transferir para o atual contexto. Assim, muito mais de que uma “fichite” aguda, convém-nos “olhar” para a narrativa pedagógica do “dia-a-dia" a que estamos confinados e elaborar sobre ela. Assim, o que é esperado de nós é que contribuamos através da atribuição de valor, sentido e intencionalidade pedagógica ao que "temos" em casa. Em cada casa;
-Temos de “trabalhar”…
Parece, “visto de fora”, que os profissionais têm também andado atarefados a tentar “mostrar trabalho”. E talvez essa “necessidade” (que foi criada não agora mas numa certa “industrialização” do processo educativo em que nos fomos deixando envolver) esteja a condicionar a forma de pensar educativa e esclarecida. Por isso, é importante manter um registo do contacto e das abordagens para que possam ser compiladas e organizadas. Porque, repito, não estamos de férias.
Os que aqui chegaram estão, neste momento, a pensar "mas o que é isto?". E sei também que, a maior parte de vós está ligeiramente irritada com este texto, mas, como já me “conhecem”, também sabem que não me importo minimamente com isso, porque, apesar desse "sentir", sei bem que todos sabemos que é importante, neste momento, agir e não apenas reagir.
E porque, enquanto Educador de Infância, sei bem que o meu "eu profissional" é bastas vezes confundido com as práticas dos/as "outros/as"...
Mantenham-se seguros e protegidos.
Porque isto vai passar!
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