13 de maio de 2024

PORQUE SOMOS EUROPA

No dia 12 de janeiro de 1993, pelas 7h da manhã, iniciava a minha primeira viagem de avião.
De alguma forma ansioso e expectante (uma viagem de cerca de 5h até Estocolmo cria sempre expectativa...), esta viria, no seu contexto, a ser a primeira de muitas.
Viajaria sozinho e esperava-me uma estada de cerca de cinco meses em Falun-Borlänge, no centro geográfico da Suécia.
E é mesmo sobre o "contexto" que pretendo refletir: motivada (e patrocinada!) pelo ERASMUS, o programa europeu que tem como principal mote criar "uma consciência europeia", esta viagem foi, e digo-o muitas vezes, uma espécie de "change life situation" vivida no início da adultez.
Estava, aí, no segundo de três anos de formação universitária, num curso de forte componente educativa e social, e optei por dedicar uma parte importante (um semestre) do último ano do curso em "mobilidade erasmus", uma figura que irrompia nas opções académicas por essa altura.
Fi-lo com perfeita consciência da escolha, mas sem a mais pequena sombra do que essa experiência me mudaria.Teriam de ser muito mais do que as que cabem aqui, as palavras para descrever a experiência. Seja pela sua componente académica, social, pessoal ou profissional, mas, usando uma expressão simples: foi aí que me tornei Educador.
Foi, ao constatar a cultura educativa, ao viver a cultura social, ao perceber a circunstância, o contexto e, claro, as práticas, que compreendi o papel que teria, no futuro, no regresso ao meu país.
Porque é ao "olhar para fora" que apreendemos o que de melhor podemos "cá dentro".
E o ERASMUS passou a ser o meu "companheiro" de vida. Da Inglaterra à Bélgica, da Espanha à Croácia, da Alemanha à Roménia, da França à Turquia, da Finlândia à Grécia, e com muitos outros europeus no "currículo", as experiências de partilha e cooperação, as muitas "visitas" e recepções, a possibilidade de ensinar e aprender, de dar e receber e, sobretudo, de me (nos) engrandecer(mos) pelo conhecimento que temos do Outro, faz de mim, diria eu, mais que um cidadão de nacionalidade portuguesa, um Europeu nascido em Portugal.
Hoje escrevo a partir de Sofia (Bulgária), onde um grupo fantástico de europeus imagina formas de pôr as tecnologias ao serviço dos "mais velhos" de nós. Será, com toda a certeza, mais uma forma de construir os laços com que se derrotam todas as formas de xenofobia, racismo ou chauvinismo. Será, com toda a certeza, mais uma sinapse na construção de "pré-conceitos" positivos. E será, sobretudo, mais uma forma de trazer mais "para dentro".
Porque o que (ainda) nos tem faltado é uma visão alargada de "mundo". E o Jean Monnet sabia-o desde sempre: "sem união não há Europa".
Um conselho para todos?...
O programa ERASMUS está à vossa espera.

A SORTE QUE CADA UM DE NÓS TEM. POR PODER DIZER AS PARVOÍCES QUE QUISER...

Este ano tem sido pródigo em "celebrações" associadas ao 25 de Abril. E ainda bem.
Mas é importante que não esqueçamos o que nos trouxe aqui.
O Nietzsche fala-nos do "Eterno Retorno" e, talvez por lermos pouco, muitos de nós nem sabe do que fala ele...
Não interessa dissecar aqui o conceito, mas, de forma rápida, o eterno retorno, que o filho de Röcken nos deixou, é uma espécie de "movimento circular e repetido de acontecimentos idênticos". Basicamente, e para os pouco leitores, dizia-nos ele que "a história se repetirá".
Nas últimas semanas tenho, também, acompanhado, na área onde me movo - a Educação" - um sem fim de "inovações" que parecem ter chegado agora, de um local longínquo do universo: dos conceitos de Aprender pelo Brincar, das "Escolas Naturais" ou na "Floresta", aos conceitos de antroposofia e da "Escola democrática", muitos têm sido as propostas (da formação às conferências, das publicações orgulhosas nas redes sociais aos programas de televisão...) que querem fazer parecer "novo" o que apenas se apresenta de "camisa lavada"...
Mas o que, na realidade, apoquenta, é que, por falta de leitura, de reflexão, de análise crítica, estas "novidades" se vão alastrando à imagem e modelo dos profetas dos tempos modernos.
E, da mesma forma que revisitamos Fröebel, Rosseau, Freire ou Agostinho da Silva (sem disso termos noção, porque nunca os lemos....), também acabamos por revisitar Gentille, Spann ou Karl Polanyi, acabando, inclusive, por defender as suas ideias...
O "não saber", o "não ler", o "não me interessa" têm razões reais, muitas delas fundadas não apenas "na escola que não faz aprender" (no centro da crítica mais comum), mas também na enorme quantidade de informação (e diversidade) disponível fácil e gratuitamente.
Mas compete-nos (e sobretudo competirá à Escola e aos seus atores!) analisar criticamente e, sobretudo, fazer desenvolver capacidades de análise crítica nos aprendentes (estejam eles em salas de aula ou fora delas).
E, por mais que achemos que não, a nossa ignorância sobre os assuntos não tem ajudado (e refiro "ignorância" sem qualquer tipo de avaliação pejorativa do "não saber"...).
Há uns anos, neste país calmo e caloroso, não podíamos dizer em voz alta o que nos queria sair da boca. Hoje dizemos em voz alta o que queremos e mesmo o que não sabemos. É uma das conquistas da Liberdade. E talvez das mais importantes.
Mas também é importante que saibamos que o que dizemos, e como diria Espinoza, é a verdade da realidade.
Saibamos fazê-lo. Queiramos fazê-lo!
Há cerca de três anos, eu e o Mário Henrique Gomes, reconhecendo a necessidade de revisitar a História e os autores, a (s) pedagogia(s) e as didáticas, embarcámos num projeto que nos tem sido fantástico: falamos, a cada 15 dias, sobre alguns destes homens e mulheres que nos abriram as portas e pensaram - e escreveram - sobre o que fazemos e, sobretudo, como podemos fazer melhor.
Na realidade, a ideia, que também contou com a participação indireta da Ofélia Libório , é apenas uma forma de "relembrar" o que a Humanidade já sabe. E como podemos nós, contrariando de alguma forma a "sina" negativa do "Eterno Retorno", não cair nos mesmos erros.
O "15 min e um café" é um podcast/videocast que reúne algumas das conversas mais deliciosas que tive. Domingos Fernandes, José Pacheco - Comunidades de Aprendizagem, David Rodrigues, João Costa, Mário Sérgio Cortella deram-nos a honra de conversar connosco. Mas muitos mais o fizeram. E nós só nos podemos sentir agradecidos.
E neste último, trazemos para cima da mesa o que nos trouxe o 25 de abril e que às vezes fazemos questão de ignorar. Talvez valha a pena ver. Para poder discordar.
(podem, aqui, revisitar os 60 episódios gravados: https://sites.google.com/aea.../comunicarte/identidade/15min
)

SOBRE A FAMÍLIA TRADICIONAL...

Confesso-vos que tenho andado um pouco deprimido. Tivesse eu dinheiro e vontade, sobretudo vontade, estaria já a despender alguns euros em terapia...
Este desabafo precisa de ser lido com alguma atenção, para não se perder o fio à meada...
O meu avô paterno, filho de "pai incógnito", ficou órfão no nascimento e foi criado por uma senhora que tinha uma casa onde se "serviam refeições".
Casou com a minha avó, de quem teve dois filhos, e, pouco antes do primeiro fazer 5 anos (o meu pai), estavam já divorciados. Este meu avô, posteriormente, casou com a irmã da minha avó (minha tia-avó, portanto), não tendo tido outros filhos, mas vivendo juntos até à morte de ambos.
A minha tia, irmã do meu pai, nunca casou.
O meu pai, que anda, por agora, nos 80, casou-se com 20 anos (a minha mãe tinha 15), continuam a viver juntos, e criaram 4 belíssimos rapagões.
Todos estes rapagões se casaram e divorciaram (com exceção de um, que mantém o primeiro casamento, com 3 filhos fantásticos!). No conjunto, deixam, para já, uma prole de 6 novos únicos seres a este mundo. Homens e mulheres, com gostos, anseios e projetos diferentes.
A minha avó materna, encontrou um homem, que, segundo dizem (nunca o conheci), era um excelente profissional, mas como estava também amantizado com a bebida, por vezes "excedia-se na forma de amar". Deixaram-nos uma mãe e um tio que, durante toda a vida, pouco vi e com quem quase nunca convivi.
Dos 4 rapagões, conta-se que todos eles seguiram a sua vida.
Com maior ou menor (mais maior, que menor!) sucesso profissional e pessoal, alguns encontraram as suas famílias longe do local que os viu nascer (alargando as suas influências sanguíneas a terras tão distantes como a Rússia ou a Alemanha, por exemplo).
Os divorciados, mantêm ligações com as famílias dos seus filhos e seguem a sua vida respeitando-se e convivendo, face a um interesse maior.
Nesta minha "família tradicional", os Natais, ou Páscoas ou quaisquer outras "festividades de família", foram quase sempre passados "em trânsito" (de casa do avô para a casa da avó, da casa do "marido" para a casa da "mulher", da casa dos pais para a casa dos filhos...) e, muitas vezes, dentro de transportes públicos (asseguro-vos que os horários da maioria dos transportes públicos, só há muito pouco tempo são de confiar...)
Por tudo isto (e muito mais que não cabe aqui), esta ideia de "família tradicional" sempre me foi semelhante a "família de telenovela", não conseguindo, portanto, entender o que algumas traças da roupa insinuam quando falam de "identidade" e/ou "família", como se estes conceitos fossem coisas "do antigamente" que devem manter-se inalteradas (se fizerem contas, os meus avós divorciaram-se há mais de 75 anos!).
Confesso-vos que, por vezes, suspeito que o são convívio que esta minha família sempre manteve se deve ao facto de nunca termos tido "heranças" e "propriedades" para dividir, ou também porque sempre fomos capazes, por educação e convicção, de nos respeitarmos e apoiarmos nas nossas escolhas individuais e pessoais. Mas estes factos parecem não ser importantes quando o "Clube da Traça" surge no éter...
Portanto, quer-me parecer que, no fundo, os "problemas" surgem quando a situação se refere (como acontecia no Séc. XII e os medievos encontraram uma forma de manter os seus bens e posses através de um contrato benzido pelo Clero), ao tal "matrimónio" que pretende manter as terras, os brasões e as influências, essas sim, como "tradicionais"...
Enfim...

Sistema Nacional de Saúde

cerca de dois anos, ouvi, pela primeira vez, numa mesma frase, a palavra "cancro" e o nome de um familiar próximo.
Nunca tal tinha acontecido (a maior parte dos familiares que já seguiram, não tiveram direito a essa conjugação).
Como me parece ser normal, todos os sinais de alerta e desconfiança foram ativados.
Não interessa, agora, deter-me no que se sente nessa altura.
Mas não posso deixar de referir que, dois anos passados, a "última" consulta trouxe boas novas: até ao próximo exame, daqui a um ano, a situação não oferece cuidados de maior.
Não obstante, não posso deixar de usar este "Livro de Trombas", onde por vezes, o pior de nos é (está) tão evidente, para dizer que, ao longo de mais de um cento de vezes em contexto hospitalar, nem uma única razão para "zurzir" no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Simpatia, empatia, cuidado, disponibilidade, consciência, atenção ou acompanhamento são algumas das palavras que acompanharam e caracterizaram esta viagem.
Médicos, enfermeiros e assistentes exemplares (alguns deles, imigrantes, que saíram dos seus países para ajudar outros; estagiários cujo sistema de educação escolar nacional formou ou técnicos que manuseiam equipamentos de altíssima gama e qualidade que resolvem, de facto, problemas...), serviços administrativos que nunca deixaram de informar adequadamente, com uma comunicação exemplar, atempada e clara ou equipamentos e instalações que prezam pela qualidade e organização, são toda a experiência vivida.
Poderão, se quiserem, dizer-me que "não é essa a vossa experiência", e até acredito que possa ser verdade.
Mas, de facto, eu, que não posso contar muitas experiências no SNS, sublinho que não sou bonito, não sou rico e não tenho "conhecimentos" de monta - o mesmo do resto da família - (o que atesta que a "sorte" que aqui relato não se inscreve no "típico Portugal" corrupto que muitos atestam como real...), só posso referir que, se o Serviço Nacional de Saúde "funciona mal" ou "não funciona", eu não o consegui comprovar. Por mais que o anunciem aos gritos, em cartazes ou por aqui, neste grande espaço hiperativo e acéfalo.
Muito haverá a fazer (há sempre mais a fazer), mas hoje, fica-me, sobretudo, a ideia que estes dois anos, vividos há 30 anos, provavelmente não teriam o mesmo desfecho.
E isso, quer queiramos, quer não, é fruto de um Estado Democrático no qual, todos nós contamos.
Como contam aqueles que escolhem trabalhar aqui, estudar aqui e viver aqui.
Por isso, em mês de celebração, não nos esqueçamos, nunca, das vitórias que nos permitem agradecer!
Obrigado.

Pode ser uma imagem de texto que diz "SNS SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE"