13 de maio de 2024
PORQUE SOMOS EUROPA
De alguma forma ansioso e expectante (uma viagem de cerca de 5h até Estocolmo cria sempre expectativa...), esta viria, no seu contexto, a ser a primeira de muitas.
Viajaria sozinho e esperava-me uma estada de cerca de cinco meses em Falun-Borlänge, no centro geográfico da Suécia.
E é mesmo sobre o "contexto" que pretendo refletir: motivada (e patrocinada!) pelo ERASMUS, o programa europeu que tem como principal mote criar "uma consciência europeia", esta viagem foi, e digo-o muitas vezes, uma espécie de "change life situation" vivida no início da adultez.
Estava, aí, no segundo de três anos de formação universitária, num curso de forte componente educativa e social, e optei por dedicar uma parte importante (um semestre) do último ano do curso em "mobilidade erasmus", uma figura que irrompia nas opções académicas por essa altura.
Fi-lo com perfeita consciência da escolha, mas sem a mais pequena sombra do que essa experiência me mudaria.Teriam de ser muito mais do que as que cabem aqui, as palavras para descrever a experiência. Seja pela sua componente académica, social, pessoal ou profissional, mas, usando uma expressão simples: foi aí que me tornei Educador.
Foi, ao constatar a cultura educativa, ao viver a cultura social, ao perceber a circunstância, o contexto e, claro, as práticas, que compreendi o papel que teria, no futuro, no regresso ao meu país.
Porque é ao "olhar para fora" que apreendemos o que de melhor podemos "cá dentro".
E o ERASMUS passou a ser o meu "companheiro" de vida. Da Inglaterra à Bélgica, da Espanha à Croácia, da Alemanha à Roménia, da França à Turquia, da Finlândia à Grécia, e com muitos outros europeus no "currículo", as experiências de partilha e cooperação, as muitas "visitas" e recepções, a possibilidade de ensinar e aprender, de dar e receber e, sobretudo, de me (nos) engrandecer(mos) pelo conhecimento que temos do Outro, faz de mim, diria eu, mais que um cidadão de nacionalidade portuguesa, um Europeu nascido em Portugal.
Hoje escrevo a partir de Sofia (Bulgária), onde um grupo fantástico de europeus imagina formas de pôr as tecnologias ao serviço dos "mais velhos" de nós. Será, com toda a certeza, mais uma forma de construir os laços com que se derrotam todas as formas de xenofobia, racismo ou chauvinismo. Será, com toda a certeza, mais uma sinapse na construção de "pré-conceitos" positivos. E será, sobretudo, mais uma forma de trazer mais "para dentro".
Porque o que (ainda) nos tem faltado é uma visão alargada de "mundo". E o Jean Monnet sabia-o desde sempre: "sem união não há Europa".
Um conselho para todos?...
O programa ERASMUS está à vossa espera.
A SORTE QUE CADA UM DE NÓS TEM. POR PODER DIZER AS PARVOÍCES QUE QUISER...
Mas é importante que não esqueçamos o que nos trouxe aqui.
O Nietzsche fala-nos do "Eterno Retorno" e, talvez por lermos pouco, muitos de nós nem sabe do que fala ele...
Não interessa dissecar aqui o conceito, mas, de forma rápida, o eterno retorno, que o filho de Röcken nos deixou, é uma espécie de "movimento circular e repetido de acontecimentos idênticos". Basicamente, e para os pouco leitores, dizia-nos ele que "a história se repetirá".
Nas últimas semanas tenho, também, acompanhado, na área onde me movo - a Educação" - um sem fim de "inovações" que parecem ter chegado agora, de um local longínquo do universo: dos conceitos de Aprender pelo Brincar, das "Escolas Naturais" ou na "Floresta", aos conceitos de antroposofia e da "Escola democrática", muitos têm sido as propostas (da formação às conferências, das publicações orgulhosas nas redes sociais aos programas de televisão...) que querem fazer parecer "novo" o que apenas se apresenta de "camisa lavada"...
Mas o que, na realidade, apoquenta, é que, por falta de leitura, de reflexão, de análise crítica, estas "novidades" se vão alastrando à imagem e modelo dos profetas dos tempos modernos.
E, da mesma forma que revisitamos Fröebel, Rosseau, Freire ou Agostinho da Silva (sem disso termos noção, porque nunca os lemos....), também acabamos por revisitar Gentille, Spann ou Karl Polanyi, acabando, inclusive, por defender as suas ideias...
O "não saber", o "não ler", o "não me interessa" têm razões reais, muitas delas fundadas não apenas "na escola que não faz aprender" (no centro da crítica mais comum), mas também na enorme quantidade de informação (e diversidade) disponível fácil e gratuitamente.
Mas compete-nos (e sobretudo competirá à Escola e aos seus atores!) analisar criticamente e, sobretudo, fazer desenvolver capacidades de análise crítica nos aprendentes (estejam eles em salas de aula ou fora delas).
E, por mais que achemos que não, a nossa ignorância sobre os assuntos não tem ajudado (e refiro "ignorância" sem qualquer tipo de avaliação pejorativa do "não saber"...).
Há uns anos, neste país calmo e caloroso, não podíamos dizer em voz alta o que nos queria sair da boca. Hoje dizemos em voz alta o que queremos e mesmo o que não sabemos. É uma das conquistas da Liberdade. E talvez das mais importantes.
Mas também é importante que saibamos que o que dizemos, e como diria Espinoza, é a verdade da realidade.
Saibamos fazê-lo. Queiramos fazê-lo!
Na realidade, a ideia, que também contou com a participação indireta da Ofélia Libório , é apenas uma forma de "relembrar" o que a Humanidade já sabe. E como podemos nós, contrariando de alguma forma a "sina" negativa do "Eterno Retorno", não cair nos mesmos erros.
O "15 min e um café" é um podcast/videocast que reúne algumas das conversas mais deliciosas que tive. Domingos Fernandes, José Pacheco - Comunidades de Aprendizagem, David Rodrigues, João Costa, Mário Sérgio Cortella deram-nos a honra de conversar connosco. Mas muitos mais o fizeram. E nós só nos podemos sentir agradecidos.
E neste último, trazemos para cima da mesa o que nos trouxe o 25 de abril e que às vezes fazemos questão de ignorar. Talvez valha a pena ver. Para poder discordar.
(podem, aqui, revisitar os 60 episódios gravados: https://sites.google.com/aea.../comunicarte/identidade/15min)
SOBRE A FAMÍLIA TRADICIONAL...
Este desabafo precisa de ser lido com alguma atenção, para não se perder o fio à meada...
O meu avô paterno, filho de "pai incógnito", ficou órfão no nascimento e foi criado por uma senhora que tinha uma casa onde se "serviam refeições".
Casou com a minha avó, de quem teve dois filhos, e, pouco antes do primeiro fazer 5 anos (o meu pai), estavam já divorciados. Este meu avô, posteriormente, casou com a irmã da minha avó (minha tia-avó, portanto), não tendo tido outros filhos, mas vivendo juntos até à morte de ambos.
A minha tia, irmã do meu pai, nunca casou.
O meu pai, que anda, por agora, nos 80, casou-se com 20 anos (a minha mãe tinha 15), continuam a viver juntos, e criaram 4 belíssimos rapagões.
Todos estes rapagões se casaram e divorciaram (com exceção de um, que mantém o primeiro casamento, com 3 filhos fantásticos!). No conjunto, deixam, para já, uma prole de 6 novos únicos seres a este mundo. Homens e mulheres, com gostos, anseios e projetos diferentes.
A minha avó materna, encontrou um homem, que, segundo dizem (nunca o conheci), era um excelente profissional, mas como estava também amantizado com a bebida, por vezes "excedia-se na forma de amar". Deixaram-nos uma mãe e um tio que, durante toda a vida, pouco vi e com quem quase nunca convivi.
Dos 4 rapagões, conta-se que todos eles seguiram a sua vida.
Com maior ou menor (mais maior, que menor!) sucesso profissional e pessoal, alguns encontraram as suas famílias longe do local que os viu nascer (alargando as suas influências sanguíneas a terras tão distantes como a Rússia ou a Alemanha, por exemplo).
Os divorciados, mantêm ligações com as famílias dos seus filhos e seguem a sua vida respeitando-se e convivendo, face a um interesse maior.
Nesta minha "família tradicional", os Natais, ou Páscoas ou quaisquer outras "festividades de família", foram quase sempre passados "em trânsito" (de casa do avô para a casa da avó, da casa do "marido" para a casa da "mulher", da casa dos pais para a casa dos filhos...) e, muitas vezes, dentro de transportes públicos (asseguro-vos que os horários da maioria dos transportes públicos, só há muito pouco tempo são de confiar...)
Por tudo isto (e muito mais que não cabe aqui), esta ideia de "família tradicional" sempre me foi semelhante a "família de telenovela", não conseguindo, portanto, entender o que algumas traças da roupa insinuam quando falam de "identidade" e/ou "família", como se estes conceitos fossem coisas "do antigamente" que devem manter-se inalteradas (se fizerem contas, os meus avós divorciaram-se há mais de 75 anos!).
Confesso-vos que, por vezes, suspeito que o são convívio que esta minha família sempre manteve se deve ao facto de nunca termos tido "heranças" e "propriedades" para dividir, ou também porque sempre fomos capazes, por educação e convicção, de nos respeitarmos e apoiarmos nas nossas escolhas individuais e pessoais. Mas estes factos parecem não ser importantes quando o "Clube da Traça" surge no éter...
Portanto, quer-me parecer que, no fundo, os "problemas" surgem quando a situação se refere (como acontecia no Séc. XII e os medievos encontraram uma forma de manter os seus bens e posses através de um contrato benzido pelo Clero), ao tal "matrimónio" que pretende manter as terras, os brasões e as influências, essas sim, como "tradicionais"...
Enfim...
Sistema Nacional de Saúde
Há cerca de dois anos, ouvi, pela primeira vez, numa mesma frase, a palavra "cancro" e o nome de um familiar próximo.
Nunca tal tinha acontecido (a maior parte dos familiares que já seguiram, não tiveram direito a essa conjugação).
Como me parece ser normal, todos os sinais de alerta e desconfiança foram ativados.
Não interessa, agora, deter-me no que se sente nessa altura.
Mas não posso deixar de referir que, dois anos passados, a "última" consulta trouxe boas novas: até ao próximo exame, daqui a um ano, a situação não oferece cuidados de maior.
Não obstante, não posso deixar de usar este "Livro de Trombas", onde por vezes, o pior de nos é (está) tão evidente, para dizer que, ao longo de mais de um cento de vezes em contexto hospitalar, nem uma única razão para "zurzir" no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Simpatia, empatia, cuidado, disponibilidade, consciência, atenção ou acompanhamento são algumas das palavras que acompanharam e caracterizaram esta viagem.
Médicos, enfermeiros e assistentes exemplares (alguns deles, imigrantes, que saíram dos seus países para ajudar outros; estagiários cujo sistema de educação escolar nacional formou ou técnicos que manuseiam equipamentos de altíssima gama e qualidade que resolvem, de facto, problemas...), serviços administrativos que nunca deixaram de informar adequadamente, com uma comunicação exemplar, atempada e clara ou equipamentos e instalações que prezam pela qualidade e organização, são toda a experiência vivida.
Poderão, se quiserem, dizer-me que "não é essa a vossa experiência", e até acredito que possa ser verdade.
Mas, de facto, eu, que não posso contar muitas experiências no SNS, sublinho que não sou bonito, não sou rico e não tenho "conhecimentos" de monta - o mesmo do resto da família - (o que atesta que a "sorte" que aqui relato não se inscreve no "típico Portugal" corrupto que muitos atestam como real...), só posso referir que, se o Serviço Nacional de Saúde "funciona mal" ou "não funciona", eu não o consegui comprovar. Por mais que o anunciem aos gritos, em cartazes ou por aqui, neste grande espaço hiperativo e acéfalo.
Muito haverá a fazer (há sempre mais a fazer), mas hoje, fica-me, sobretudo, a ideia que estes dois anos, vividos há 30 anos, provavelmente não teriam o mesmo desfecho.
E isso, quer queiramos, quer não, é fruto de um Estado Democrático no qual, todos nós contamos.
Como contam aqueles que escolhem trabalhar aqui, estudar aqui e viver aqui.
Por isso, em mês de celebração, não nos esqueçamos, nunca, das vitórias que nos permitem agradecer!
Obrigado.

24 de março de 2020
TEMPOS ESQUISITOS…
Os profissionais de educação (e em especial estes que aqui encontramos), estão a aprender a lidar com o desconhecido na forma de um manto branco espesso e opaco que cobre tudo aquilo que em que acreditavam. E, em alguns casos, não trataram de se prevenir para o desconhecido.
De repente, a necessidade de ser profissional “à distância”, de ter de encontrar estratégias nunca antes usadas e/ou pensadas ou, em alguns casos, nunca antes existentes. E, daí até uma espécie de frenesim didático pedagógico, foi um saltinho. Acho que nos esquecemos todos é que estávamos à beira de um precipício…
Tentando, de forma fria e analítica, percorrer a reflexão por alguns “tópicos” quentes, apetece-me dizer:
- Não estamos de férias!
Não. De facto estamos a trabalhar (e pagam-nos para isso). Estamos a trabalhar naquilo que fazemos melhor: atribuir intencionalidade educativa às ações, às experiências, às estratégias. E estamos a trabalhar num contexto e de uma forma diferente: a partir de casa e com os nossos “públicos” nas suas próprias casas…
- Só sabemos ser “educadores” em contexto de sala de atividades.
Não é verdade. É claro que há (e sempre haverá) Educadores e “entretedores”, mas, quer uns quer outros, se não têm a oportunidade de fazer um trabalho letivo diário em sala de atividades com as crianças e famílias que acompanham, terão outras formas de poder demonstrar a disponibilidade, conhecimento técnico e científico e, sobretudo, competência.
- É possível “converter” o nosso trabalho para modelos de “ensino doméstico” e/ou de “ensino à distância”…
Não. Não é.
Não é mandando por e-mail "atividades" em forma de fichas de números e letras para preencher ou "receitas" para fazer em casa que mantemos a dinâmica pedagógica e educativa que nos diferencia. Se os pais/famílias fossem "profissionais de educação", nós não teríamos esta profissão.
Nestes momentos estranhos, o que é importante para estas crianças e famílias é elas sentirem o apoio, a proximidade, a relação pessoal e personalizada. Há já muitas páginas, blogues, plataformas que já fornecem essas "ligações", com ideias, receitas e sugestões. O “on-line” disparou como se não houvesse amanhã. E há de tudo: do bom ao excelente, do sofrível ao muito mau.
O que se espera dos profissionais de educação não é que carreguem na tecla do “tem de ser” ou do “é para avaliar”. O que se espera deles (e eles fazem-no como ninguém) é que orientem e acompanhem as famílias, que lhes possam estender a mão e, sobretudo, tornar significativas as aprendizagens daí decorrentes.
- É preciso relação.
Muitas instituições educativas dispõem de possibilidade de fazer, de forma simples e eficaz, ligações por videoconferência e é possível criar números de telefone "espelho" (para ligar do número pessoal sem o identificar – porque não temos de quebrar barreiras se não as quisermos quebrar) ou mesmo ocultar o nosso número nas chamadas telefónicas.
Em última análise, é possível, a partir do nosso telefone, gravar pequenos vídeos para as crianças e alunos nos verem e ouvirem. E não é preciso a desculpa do "usar o telemóvel pessoal para o trabalho” porque as operadoras disponibilizaram 10GB de dados móveis gratuitos;
Além do mais, há (segundo dados do INE) cerca de 5% das famílias portuguesas que não dispõem ainda de ligação à internet. Mas têm telefone!
- O dia “escolar” é diferente do dia “familiar”
Não nos podemos esquecer que as famílias, em casa nesta situação esquisita, também têm de trabalhar (em teletrabalho, em atividades domésticas, etc.). Por tal, as sugestões de “trabalho” que os profissionais fazem chegar à famílias têm de reconhecer a dificuldade de gestão familiar que é muito diferente da gestão pedagógica de uma sala de atividades. Se quisermos relevar a intencionalidade pedagógica da nossa prática, temos de a transferir para o atual contexto. Assim, muito mais de que uma “fichite” aguda, convém-nos “olhar” para a narrativa pedagógica do “dia-a-dia" a que estamos confinados e elaborar sobre ela. Assim, o que é esperado de nós é que contribuamos através da atribuição de valor, sentido e intencionalidade pedagógica ao que "temos" em casa. Em cada casa;
-Temos de “trabalhar”…
Parece, “visto de fora”, que os profissionais têm também andado atarefados a tentar “mostrar trabalho”. E talvez essa “necessidade” (que foi criada não agora mas numa certa “industrialização” do processo educativo em que nos fomos deixando envolver) esteja a condicionar a forma de pensar educativa e esclarecida. Por isso, é importante manter um registo do contacto e das abordagens para que possam ser compiladas e organizadas. Porque, repito, não estamos de férias.
Os que aqui chegaram estão, neste momento, a pensar "mas o que é isto?". E sei também que, a maior parte de vós está ligeiramente irritada com este texto, mas, como já me “conhecem”, também sabem que não me importo minimamente com isso, porque, apesar desse "sentir", sei bem que todos sabemos que é importante, neste momento, agir e não apenas reagir.
E porque, enquanto Educador de Infância, sei bem que o meu "eu profissional" é bastas vezes confundido com as práticas dos/as "outros/as"...
Mantenham-se seguros e protegidos.
Porque isto vai passar!
1 de agosto de 2019
(BI)POLARIDADES
Andar por aqui", neste cada vez maior (e mais 'real') mundo de encontros, é um exercício que nos obriga, cada vez mais, a ter (e, anteriormente, ter construído) uma capacidade efectiva de tornar irrelevante o que se pretende fundamental.
É, de facto, uma espécie de bipolaridade a que ataca uma grande parte dos utilizadores das redes sociais.
E ainda se torna mais visível nos grupos (e 'pseudo' grupos) de (dir-se-ia) Educação.
De uma forma geral, não conhecemos, pessoal e presencialmente, a maior parte das pessoas com quem interagimos. E, talvez por isso, relevamos e desconsideramos o tipo e o modelo de interação.
Mas, quando se dá o facto de até conhecermos pessoalmente a pessoa, a prática, a crença e a "filosofia" de quem, connosco, se cruza por aqui, e constatamos as diferenças entre o "presencial" e o "virtual", não podemos ficar indiferentes...
Temos vindo, de há uns anos para cá, a criticar, a condenar, a violentar e a culpar as interações sociais mediadas pela internet. Temos vindo a atribuir às redes sociais o deteriorar das relações humanas. Temos, inclusive, praguejado e esconjurado as relações construídas pela tecnologia...
Façamos o seguinte exercício...
Imaginemos que nos cruzamos, no supermercado, com alguém que alega ser nosso conhecido mas que se apresenta com uma máscara facial que impede que vejamos e reconheçamos as suas feições. Interagiríamos?
Imaginemos que, no parque infantil, com os nossos filhos, um desconhecido se aproxima deles com "desafios irresistíveis". Continuaríamos imóveis e despreocupados?
Imaginemos que um desconhecido nos interpela, na rua, para que lhe emprestemos as nossas chaves de casa. Cederíamos?
Imaginemos que um doce que nos impressionou pelo "aspeto visual" se transforma numa desilusão gastronómica. Continuaríamos a recomendá-lo?
Estas são apenas algumas das perguntas que deveríamos fazer quando criticamos as "redes sociais". Porque, de forma geral, no espaço digital, temos "amigos" que apresentam, no perfil, uma "máscara" (que vai da foto do cão à inexistência de uma imagem que seja, de facto, nossa). Permitimos que os nossos filhos tenham uma "vida digital paralela" com estranhos sem nos preocuparmos e até cedemos, de forma voluntária, as nossas palavras-chave e outras informações pessoais. Ficamos "fãs de produtos e serviços que desconhecemos e, só por isso, estamos a "recomendar"...
Mas, ainda mais importante e pertinente: somos nós quem coloca a foto do cão, do gato, do canário, como imagem de identificação. Somos nós quem, de forma estranha e oculta, nos dirigimos a quem não nos conhece (sem, sequer respeitar as normas de cordialidade mínimas!). E somos nós quem fornece, gratuita e facilmente, a informação mais "simples" mas mais perigosa (onde estamos, o que estamos a fazer, para onde vamos, de onde viemos...) e contribuímos para a importância de quem (e do que), normalmente não a tem, apenas porque servimos de amplificador.
Talvez um dia não critiquemos no "geral" o que fazemos no particular.
Talvez um dia tenhamos a coragem de utilizar as ferramentas e a tecnologia de forma "humana" como fazemos com todas as outras dimensões da nossa vida.
Talvez um dia acreditemos que a coerência começa em nós. Em cada um de nós.
Mas para isso, um dia teremos de perceber que o que somos "on-line" não é o que somos "no real". Porque não faz sentido ter uma prática diária e idolatrar, nas redes sociais, quem defende o oposto. Porque não faz sentido "gostar", nas redes sociais, das palavras fantásticas de um teórico para, na prática, fazer o seu contrário.
Porque não faz sentido continuar a mentir-nos a nós próprios.
Porque, como diz o ditado, "a mentira tem perna curta". E nós já estamos de joelhos...
Aproveitemos a interrupção para descansar. E refletir sobre isto.
Boas férias.
15 de junho de 2019
TRANSIÇÕES
E eis-nos chegados a mais um final de ano.
E, por isso (ou por causa disso!), chegam tambem as "Festas de Finalistas", os diplomas, as cartolas, e todo um mundo de "marcas" que se pretendem significativas...
Confesso-vos que, por mais anos que leve "disto", continuo a não compreender (e garanto-vos que muitos me tentam "explicar"...) a mais-valia de tanta vontade de "marcar um fim"...
Diz-nos a Constituição da República Portuguesa (e depois todo o edifício legal consequente) que a Educação de Infância é "a primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida”. Sabemos também que, na Rede Pública de Educação Pré-Escolar, cerca de 80% dos jardins de infância públicos partilham espaços físicos com outros espaços e niveis escolares (o que, só por si, deveria justificar a "abolição" de Festas de Finalistas na educação de infância na Rede Pública).
Por último, desde que me conheço como profissional de educação de infância sempre senti (e lutei por isso!) que os sistemas de educação são (devem ser) baseados na ideia de continuidade e transição "pacífica", por forma a potenciar uma estrutura de evolução (em oposição à "revolução", caracterizada por incidentes críticos determinantes).
Dizem-nos as Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar que compete, de alguma forma, aos profissionais, "proporcionar, em cada fase, as experiências e oportunidades de aprendizagem que permitam à criança desenvolver as suas potencialidades, fortalecer a sua autoestima, resiliência, autonomia e autocontrolo, criando condições favoráveis para que tenha sucesso na etapa seguinte".
Posto isto, interrogo-me: será que o fazemos quando, por inércia ou porque "sempre foi assim", as submetemos a finais de ano que, em vez de potenciar transições tranquilas, se tornam uma espécie de "prova de fogo" (a simples menção ao facto de "para o ano é que vai ser") que são, só por si, um apelo à disrupção e ansiedade?...
Será que o fazemos quando assinalamos e sublinhamos, de forma física (diplomas, cartolas, presenças em palco, etc.), a "diferença" notória que, de alguma forma e inconscientemente, mostra que haverá, de facto, um corte profundo com os processos de aprendizagem e desenvolvimento a que os habituámos?...
Será que o fazemos quando nos justificamos com um "os pais e as famílias gostam e exigem", não percebendo que, só por o referir, estamos a negligenciar (e a penalizar) o nosso espaço de formação e acompanhamento parental e, de alguma forma, a desvalorizar o processo educativo de que fomos líderes?
Será que os níveis de ansiedade que, muitas vezes promovemos (ah, raios, afinal a "preparação" da festa final "só" começa uns 15 dias antes da data marcada...), ou o facto de que, nesta "Festa de Finalistas" até reconhecermos que há crianças que, pela sua data de nascimento, são hoje "finalistas" mas poderão ter de acompanhar mais um ano o grupo de educação pré-escolar (quantas vezes o "finalistas" não têm lugar numa turma do ciclo seguinte porque perfazem a idade mínima um ou dois dias depois do estabelecido na lei)?
Será porque, na nossa ânsia de "mostrar" trabalho, e por isso nos transformarmos em encenadores, ensaiadores, alfaiates e costureiras ou apenas "pontos de cena", acabamos por nos esquecer que cada criança é, de facto, diferente a compreender (e aceitar) a realidade a que a submetemos de forma única?
Ou será apenas porque, enquanto pofissionais, já deixámos de encontrar estratégias que sejam, mesmo, "Amigas das Crianças"?
Os anos letivos acabam. É certo.
Mas tambem os dias acabam. As horas acabam. As semanas acabam. O projetos acabam.
É verdade que "transições" são todos os processos de mudança. E que, de uma forma geral, é necessário (e fundamental) acompanhar crianças pequenas (e não só) para facilitar processos integradores de sucesso. Mas...
...a integração não começa no último dia de atividades letivas. A integração não se potencia fazendo "coisas" que só acontecem uma vez na vida das Crianças. A integração não tem mais sucesso porque "É diferente".
E, não acontece, com certeza, quando, subliminarmente, lhes dizemos: "agora é que vai ser"...
Se os pais e familias gostam de as ver "atuar" (mesmo que passem todo o "espetáculo com os telemóveis na mão para "mais tarde recordar" e a única imagem que fica na cabeça de uma criança, em cima do palco, é uma "cabeça de telemóvel"...); se os pais e familias "só vão à Festa de Final de Ano, porque, de outra forma não acompanham as crianças..."; se as crianças (pelo antes exposto) "gostam e querem" fazer um espetáculo (pensemos se não será a única forma de dizerem: "estou aqui e gosto desta escola: talvez assim reparem nisso!"...), teremos de ser nós, os mediadores de aprendizagens e relacionamentos, a fazer diferente. A promover diferente. A encontrar outras soluções.
Porque, no final de tudo, é para isso que nós pagam!
Porque o sempre foi assim não pode justificar tudo...
Nem o "eles gostam" (porque a maior parte das Crianças gostariam de ter como almoço diário uma pizza ou uma pastilha elástica, e nós não o "permitimos" por alguma razão)...
Alguma coisa teremos de fazer. Quanto mais não seja, refletir sobre o "que fazemos e porque fazemos" além do "sempre foi assim".
Reflitamos.
E que seja um Final de Ano que, acima de tudo, nos dê prazer.
2 de junho de 2019
Sempre foi assim...
O título desta reflexão é uma das frases que mais tenho ouvido desde que sou profissional de educação.
De forma explícita e clara ou através de um quase imperceptível encolher de ombros, a expressão "porque sempre se fez assim" tem construído, ao longo dos anos, uma espécie de desculpa para parte do nosso imobilismo e até incongruência técnica e pedagógica.
Lembro bem, quando iniciei o percurso profissional, ter ouvido uma frase, de colega mais antigo, que me aconselhava: "se corres com os míudos, os pais deles vão querer que nós corramos também...".
Admito que sempre me fez impressão que tenhamos (nós que deveríamos ser os motivadores da inovação e da descoberta pedagógica) permitido que os nossos sonhos, as nossas propostas, as nossas idiossicrasias tivessem sido atropelados por uma desistência que não nos deveria caracterizar como Educadores.
O que fará com que tenhamos deixado de "ler" a criança e a comunidade? O que terá acontecido para que o "sempre foi assim" tivesse ditado o nosso caminho de desistência?...
Terá sido a nossa incapacidade de nos mantermos atentos e informados? De perceber que, feliz ou infelizmente, a nossa escolha profissional tem um conjunto de pressupostos que teria de fazer de nós muito mais do que "técnicos" reprodutivos e acéfalos?...
Ao ler, por aqui, tantas escolas "Amigas das Crianças" não deixo de me congratular com um Prémio(?) que incentiva a olhar para as práticas distintivas, para os profissionais que se envolvem, para as comunidades que se inspiram...
Mas não será um Prémio com este nome uma redundância provocada por uma desistência que temos vindo a promover porque "sempre foi assim"?
A escola, qualquer escola, deveria ser, por princípio, amiga da(s) criança(s). Mas, de facto, temos desistido de nos concentrar nesse facto. A nossa falta de tempo, o nosso "não quero saber", a nossa idade (quase provecta), a nossa falta de paciência e, sobretudo, a forma como nos têm tratado, vieram a contribuir para que a Escola deixasse de ser um local aprazível.
E para nós funciona tão bem não ter que imaginar novas formas de construir o discurso de sempre: o bonecos de neve recortados do ano passado fazem o mesmo efeito nos míudos deste ano; as formações que nos dão receitas são perfeitas para não gastar neurónios; as redes sociais que nos dão manualidades que não conhecíamos são essenciais para demonstrar alguma preocupação em "inovar"...
O Futuro que estamos a promover será o nosso Presente em breve. E temo-nos esquecido que uma escola que não potencia o pensamento e a reflexão e que apenas se limita a transmitir o "sempre foi assim" acaba por se perder na sua insignificância. Porque os nossos atos e o modelo que damos é bem mais "educativo" do que as muitas modas e prémios que não deixam uma estrutura digna desse nome.
Talvez seja chegado o tempo de, mais do que docentes, pensarmos na Escola que verdadeiramente queremos: uma escola Amiga das Crianças ou amiga do conhecimento? Uma escola Amiga das Crianças ou amiga do futuro? Uma escola que defina o prazer de aprender ou apenas um local para obrigar a estar?...
Está em cada um de nós perceber que ser Amiga das Crianças não deve ser um Prémio. Mas uma naturalidade.
Não obstante, parabéns a todos aqueles (muitas vezes sozinhos, porque esta coisa dos prémios também premeia muito parasita!) que acreditam que, pelo reconhecimento do seu exemplo, é possível não desistir!
25 de maio de 2019
A escola do futuro...
A Escola - tal como a conhecemos e sobre a qual construímos conhecimento - existe porque adveio de um modelo social específico - o da Revolução Industrial - onde existiam necessidades sociais únicas e era fundamental criar mão de obra especializada nos processos produtivos.
Hoje, a sociedade que conhecemos e os processos de aprendizagem e conhecimento (bem como os conteúdos pertinentes) mudaram.
As necessidades sociais são outras, os esquemas de produção e de geração de riqueza baseiam-se em outros instrumentos e procedimentos e o conhecimento prático e conceptual é uma exigência.
Mas a Escola, aquela que frequentamos hoje, para a qual caminhamos diariamente, mantém as lógicas e dinâmicas daquela que a Revolução Industrial fez nascer.
E isso torna o processo educativo difícil. Complicado. Esgotante.
Há quem diga que a Escola está a mudar.
Mas talvez seja porque as mudanças que assistimos em todos os mezzo e macro sistemas (organizações sociais e políticas, estruturas empresariais, e outra) a obriga a fazê-lo.
E porque é "obrigada" pelas condições exteriores, a Escola (e os seus profissionais) não refletem, de facto, sobre o caminho de mudança...
Para agravar, dentro da Escola, quem lá está, recusa-se a operar mudanças. porque estas lhes podem afetar a "segurança", o "know-how" que julgam ter e, sobretudo, os processos de liderança (que, neste caso, se deveriam chamar "processos de Mandança").
Por outro lado, as famílias tornam-se mais conscientes dos desafios e dificuldades (inclusive com a "boa educação" que sentem que os filhos não têm) e tendem a ser mais "observadoras" dos processos educativos formais (claro que estou a falar numa perspetiva macro), mas, de alguma forma, continua a faltar informação pertinente.
Ora, tudo isto junto deixa-nos sentados num barril de pólvora: a autoridade (e não autoritarismo) docente começa a ser posto em causa (mesmo nos processos organizacionais internos - repare-se como há
cada vez mais docentes a "contestar" direções, a "fazer o contrário", etc. -) e isso acabará por levar a uma espécie de caos onde ninguém sabe, ao certo, para onde quer ir...
Para acabar, não posso deixar de referir o óbvio: inundam-nos de informações, formações e pseudo-formações "inovadoras" e "vanguardistas" para falar de "salas de aula de futuro" mas fazem-no em salas preparadas para o passado, com as inenarráveis disposições de secretarias em filas, o "professor" sobre o estrado, e os conteúdos devidamente "preparados" para mais fácil doutrinação, apontando, inconscientemente, para a mesma escola de sempre.
Roubei esta frase a um amigo, e fi-lo sem autorização (mas ele não se importará) porque define muito bem o que estamos a passar na Escola: "o foco do sistema de ensino na rotinação, disciplina cega e a autofagia dos exames, em que o conhecimento e aprendizagem são totalmente direcionadas para o desempenho na métrica do momento de avaliação, não dão resposta ao tipo de competências que os nossos alunos vão precisar para viver, sobreviver e serem competitivos no seu futuro."
No final disto tudo fica a dúvida: o que fazer entre o que as "crianças sabem" e o que os adultos querem que ela saiba?...