Sou educador de infância numa escola pública em Mafra.
Por estes dias tem sido, de uma forma quase central, âmbito de conversa, de reflexão, de opinião, a "notícia" da proposta feita pelo Conselho Municipal de Educação (leia-se Câmara Municipal) à Direção Regional de Educação respetiva.
De uma forma geral, esta proposta versa a possibilidade de, ao arrepio da proposta legislativa central, se constituir um Agrupamento de escolas concelhio, que junte quatro agrupamentos e uma escola secundária, criando uma hiper estrutura que serviria cerca de nove mil alunos.
Com base na (reduzida) informação complementar, a "proposta" está, neste momento, nos respetivos agrupamentos (Conselhos Gerais) para discussão e deliberação.
Não conhecendo, em rigor, o texto da proposta (nem a filosofia/ideia adjacente a tal proposta), parece-me, contudo, pertinente refletir algumas questões que "estão" em cima da mesa e que, na minha modesta visão, a sua "oclusão" do centro do debate tem dificultado uma efetiva reflexão sobre tal desiderato.
Primeira questão: o Concelho de Mafra tem-se destacado, ao longo dos últimos anos (desde 1998) por um forte investimento na Educação: construção de novas escolas, com ótimas condições, complementadas por serviços de excelência - piscinas municipais, serviços culturais e sociais, apoio a famílias, etc. -;
Segunda questão: o Conselho de Mafra tem, desde há mais de vinte anos, uma gestão sólida em termos municipais, e tem apresentado resultados eleitorais invejáveis (nas últimas eleições o executivo eleito reuniu 76% dos votos (!) expressos, tendo conseguido, além da gestão camarária, a gestão de todas as freguesias do concelho). De notar que, neste ponto, não discrimino nem discuto a origem partidária do executivo, pois, apesar de não se situar no meu espetro político/ideológico, reconheço, até pela minha condição de profissional de educação, o elevado nível de qualidade do trabalho desenvolvido;
Terceira questão: O Concelho de Mafra tem apresentado, no domínio da Educação, um plano/projeto bem delineado e que tem envolvido os agentes e parceiros locais, que reconhecem, também eles, a dinâmica positiva das propostas;
Quarta questão: os agrupamentos de escolas e a escola secundária têm sido geridos com base em equipas de gestão que têm sido "escolhidas", maioritariamente pelos votos municipais (quer seja através dos representantes diretos, quer seja pelos parceiros, de alguma forma dependentes da iniciativa autárquica);
Quinta questão: as equipas de gestão escolar têm vindo (e isso é público e notório) a desenvolver uma gestão baseada no ato administrativo mais do que no ato pedagógico, mesmo quando não são (devem) ser essas as competências discriminatórias da escola;
Sexta questão: a gestão educativa, independentemente dos atores e agentes específicos, está assente num corpo legal e normativo que está, atualmente, em mudança (contratação e trabalho dos funcionários públicos, avaliação, gestão, construção, manutenção e responsabilidade de equipamentos, etc.), permitindo, por isso, antecipar mudanças que, de certa forma, serão "radicais" na forma como entendemos o processo educativo e pedagógico;
Sétima questão: a experiência administrativa e a construção e manutenção de equipamentos educativos é assegurada, no concelho, quer pela empresa municipal criada para o efeito, quer pelos serviços camarários competentes;
Oitava questão: a discriminação de competências (difícil e complicada) origina, em muitos casos, situações de resolução complexa e que, de todo, não servem os interesses das populações (como exemplo, a constituição de unidades de apoio específico e respostas educativas territorialmente concorrentes e desadequadas a um serviço público e democrático);
Nona questão: na minha condição de profissional de educação (há nove anos no concelho, exercendo funções em diversos agrupamentos) tenho constatado, em alguns casos, e em termos pedagógicos, administrativos e de "praxis", uma ineficaz e incompetente gestão pedagógica e educativa do "bem comum";
Décima questão: os "modelos" educativos (de gestão, administração, pedagógicos, curriculares, etc.) dependem de "pessoas" e não de instituições. O que significa que, a diferença efetiva está assente nas pessoas mais competentes e não tanto das organizações mais disponíveis. O que faz notar a necessidade de as organizações escolherem as pessoas mais eficazes para um determinado projeto/processo;
Décima primeira e última questão: países apontados como detendo boas práticas educativas (Suécia, Finlândia, Singapura, Canadá, Austália, etc.) possuem sistemas e modelos concelhios (regionais, em alguns casos) de gestão e administração escolar e educativa.
Posto isto, e em síntese, importa sublinhar o seguinte: os "problemas" da educação são, normalmente, criados pelas pessoas e pelas formas de fazer e não tanto pela Educação,
per si. As questões e variáveis envolvidos na atual discussão (colocação e disponibilização de professores, financiamento da escola, organização de respostas específicas, etc.) deveriam fazer parte das propostas educativas e pedagógicas e não tanto da competência organizacional, ou, por outras palavras, o que me interessa realmente é saber que modelo e tipo de Escola as "pessoas" querem construir e não tanto "como" será ela construída.
Também não é de somenos importância refletir a importância de uma organização e gestão centralizada a dois níveis: centralidade da reflexão/execução pedagógica da escola pelos docentes (que poderá acontecer se as dinâmicas de gestão e administração de recursos "saírem" da escola) e conceção de um Projeto Educativo significativo e pertinente para a população que serve, com base numa participação ativa e regulada por processos democráticos e integrados no sistema (aceite como fundamental pelo Estado), como são as eleições (se tivermos em conta a forma como alguns Diretores foram escolhidos e o "trabalho" que têm apresentado, prefiro "votar" para escolher...).
Para concluir, será também importante e pertinente sermos capazes de: 1. nos envolvermos, ativamente, na discussão; 2. equacionarmos os prós e contras, sem ter por base preconceitos pessoais e partidários; 3. "esquecermos" a nossa situação pessoal e pensarmos os objetivos globais da Educação e 4. presumirmos que as mudanças podem ter efeitos positivos, se contribuirmos para isso.
Neste (longo) texto, foi minha intenção tentar cingir-me a fatos, esquecendo (propositadamente) as minhas considerações pessoais sobre o tema. Sei que, ao ser lido, não será, provavelmente, essa a ideia que ficará no leitor, mas seis que, de alguma forma, contribuirei para alargar o espaço de debate e reflexão.
Sejamos capazes de a fazer.